China se torna estaleiro do mundo e se capacita para ampliar poderio militar
mar, 12, 2024 Postado porSylvia SchandertSemana202411
A China emergiu como uma potência global ao se transformar no chão de fábrica do mundo. Agora, ela está ampliando esse poder, e seu poderio militar, com outro notável feito industrial: está se tornando o estaleiro do mundo.
Mais da metade da produção comercial mundial da construção naval veio da China no ano passado – fazendo dela a maior fabricante de navios por uma ampla margem. Os outrora prolíficos estaleiros do Ocidente, que ajudaram a forjar impérios, ampliar o comércio e vencer guerras, encolheram. A Europa responde por apenas 5% da produção mundial, enquanto os EUA hoje contribuem com quase nada. A maior parte do que a China não fabrica vem da Coreia do Sul e do Japão.
“A escala [da construção naval chinesa] é difícil de compreender”, diz Thomas Shugart, pesquisador sênior adjunto do Center for a New American Security cujos estudos se concentram na competição marítima. “O grau com que ela supera a construção naval americana é simplesmente inacreditável.”
Esse império da construção naval é um símbolo da transformação histórica da China, de uma nação continental voltada para dentro, em potência marítima. Mas é mais do que isso. É um trunfo estratégico fundamental para Pequim, enquanto o líder chinês Xi Jinping tenta reformular a ordem mundial em tempos de paz e se preparar para prevalecer sobre nações rivais em tempos de guerra.
As gigantescas empresas chinesas de construção naval que fabricam navios para o mundo são muitas vezes as mesmas que fabricam navios de guerra para a Marinha da China. Seus estaleiros estão prosperando, com contratos de muitos bilhões de dólares sendo firmados não só para navios de guerra, mas também para navios de transporte de contêineres, navios petroleiros e graneleiros para companhias marítimas da China, do Ocidente e até de Taiwan.
Com suas carteiras de pedidos cheias pelos próximos anos, os estaleiros cresceram, formaram grupos enormes de trabalhadores e construíram grandes cadeias de fornecimento.
Os planejadores militares da China aproveitaram tudo isso para criar a maior Marinha do mundo em número de cascos – uma força central nas maiores ambições de Xi de projetar poder internacionalmente, protegendo as rotas marítimas que ligam a China ao mundo e absorvendo Taiwan.
A outrora vigorosa indústria da construção naval dos EUA encolheu. Ela não produz mais um número significativo de navios comerciais oceânicos. Vários estaleiros têm apenas um grande cliente, a Marinha americana, e esses estaleiros frequentemente enfrentam acúmulos de pedidos, escassez de funcionários e fornecedores, e custos excessivos.
A maior diferença entre as bases industriais de construção naval chinesa e americana é que “a China se beneficia de uma carga de trabalho enorme na construção naval”, disse o almirante Thomas Anderson a uma subcomissão do Congresso em maio, quando era o oficial executivo do programa para navios da Marinha dos EUA. Enquanto isso, disse ele, os EUA em grande medida agem sozinho, arcando com todos os custos dos navios e da infraestrutura associada.
“É evidente que a indústria da construção naval comercial da China proporciona a eles uma vantagem enorme quando se trata da capacidade de construção naval”, afirmou ele.
Em um conflito prolongado, os estaleiros da China dariam à sua Marinha uma vantagem significativa. Dimensionados para produzir em ritmo de guerra, eles conseguiriam acelerar rapidamente a produção, substituir navios perdidos e reparar os danificados. Essa é uma capacidade que os estaleiros americanos levaram para a luta durante a 2ª Guerra, construindo embarcações para os aliados mais rapidamente do que os submarinos alemães conseguiam afundá-las.
Hoje, os estaleiros dos EUA estão lutando para dar conta da demanda em tempos de paz. Submarinos estão parados por atrasos na manutenção e a fabricação de novos está com a agenda atrasada. A Marinha, por exemplo, espera dois novos submarinos da classe Virgínia por ano, mas está recebendo as embarcações a uma taxa de 1,4, segundo uma autoridade do Departamento de Defesa afirmou no ano passado.
Não há mão de obra qualificada suficiente, as docas secas são escassas e no caso de alguns componentes críticos, apenas um punhado de vendedores ainda está de pé.
Segundo estrategistas americanos, isso é particularmente problemático diante do que o conflito na Ucrânia vem mostrando: as guerras podem durar muito tempo e para lutá-las é preciso ter uma indústria. As fábricas de armamentos dos EUA vêm lutando para acompanhar os campos de batalha na Ucrânia. Seus fabricantes de munições – e estaleiros – não estão prontos para uma guerra com a China.
Se os EUA interviessem em um conflito envolvendo Taiwan, as forças americanas teriam de impedir que os navios chineses chegassem à ilha e descarregassem equipamentos e milhares de soldados. Cada lado tentaria tirar do tabuleiro o maior número possível de embarcações para evitar que esses navios disparassem seus mísseis.
Em tal cenário, os dois lados teriam de colocar rapidamente seus navios danificados de volta ao jogo – reparados, prontos para entrar novamente em combate e capazes de usar seu poder de fogo. Os EUA teriam problemas para ampliar a construção naval e reparar instalações no meio de uma guerra, principalmente porque os trabalhadores dos estaleiros navais modernos precisam ser treinados.
A China não teria esses problemas. Sua vantagem é visível em uma ilha perto de Xangai, na foz do Rio Amarelo. Dois estaleiros imensos estão agora localizados na ilha, conhecida como Changxing, concentrando um grande poder de construção de navios em um lugar só.
A ilha de Changxing está sendo transformada em uma colossal “base de construção naval”, escreveu o Center for Strategic and International Studies (CSIS) em um relatório divulgado em maio. A construção começou com a realocação do estaleiro de Jiangnan, que ficava na região central de Xangai, para a ilha entre 2005 e 2008. A isso seguiu-se a transferência de um segundo estaleiro, o de Hudong Zhonghua, que
ainda está em curso.
Os estaleiros pertencem a subsidiárias da China State Shipbuilding Corporation, uma gigante estatal cujos clientes vão da Marinha chinesa a companhias marítimas estrangeiras. A gigante marítima francesa CMA CGM assinou no ano passado um contrato de US$ 3 bilhões com ela para 16 navios de transporte de contêineres, após encomendar 22 navios dois anos antes. A companhia de navegação taiwanesa Evergreen Marine também tem grandes contratos com ela.
Imagens de satélite de maio obtidas junto à Maxar Technologies mostram as enormes instalações de Jiangnan. Cerca de duas dúzias de navios podem ser vistos em seu movimentado pátio. Alguns são novos; outros parecem estar sendo modernizados ou em reparos. Há o que parecem ser navios de transporte de contêineres, destroyers e o terceiro navio porta-aviões da China, conhecido como Type 003.
“Onde costumávamos ver uma certa divisão entre o lado comercial das coisas e o militar, essas linhas parecem cada vez mais misturadas”, diz Matthew Funaiole, um pesquisador sênior do China Power Project do CSIS, que segue de perto os desenvolvimentos na construção naval chinesa.
As imagens de satélite de Jiangnan analisadas pelo CSIS nos últimos anos capturaram um navio da Evergreen atracado ao lado de três navios de guerra chineses e, em outro caso, o verde identificável de um casco Evergreen próximo do porta-aviões chinês. Uma doca seca usada pelo porta-aviões foi anteriormente ocupada por um navio de transporte de contêineres que está sendo construído para a CMA CGM, segundo mostra a análise do CSIS, sugerindo que recursos estão sendo compartilhados entre o lado comercial e o militar das operações.
Quando companhias estrangeiras dão dinheiro para o estaleiro chinês, uma parte desses recursos muito provavelmente é reinvestida no estaleiro, afirma Funaiole. “Se os embarcadouros e as docas secas e galpões de montagem que recebem investimentos são também os embarcadouros, docas secas e galpões de montagem que são usados para produzir embarcações militares, como você escreve isso?”
Para Shugart, do Center for a New American Security, o resultado é o seguinte: “Todos esses países que estão comprando navios da China estão pagando a eles para a construção dos estaleiros de que eles precisam para reparar sua frota em uma guerra”, disse ele, acrescentando que “é difícil assistir a isso”.
A CMA CGM não respondeu a um pedido para comentários. A Evergreen disse que suas embarcações estão sendo construídas pelo departamento comercial da China State Shipbuilding Corporation, que segundo ela é separado do departamento militar da companhia. Os contratos de construção naval da Evergreen são de natureza puramente comercial e civil, disse a empresa.
A força de batalha da Marinha da China possui 370 navios, mais do que a Marinha dos EUA. Esse número deverá aumentar para 435 até 2030. Seus estaleiros estão construindo navios de guerra cada vez mais sofisticados, como o grande e bem-equipado combatente de superfície da classe Renhai. Eles também construíram a maior guarda costeira e frota pesqueira do mundo, além de uma ampla marinha mercante – aumentando o poder marítimo da China.
Enquanto isso, a expectativa é de que a Marinha dos EUA permanecerá do mesmo tamanho ou encolherá nos próximos anos, em relação aos atuais 292 cascos, aposentando mais navios do que colocando em operação, antes de ela voltar a crescer novamente. A frota de apoio logístico e de transporte marítimo que ajuda os militares está envelhecendo.
A Marinha dos EUA possui plataformas superiores às da China, como um grande número de porta-aviões. Mas estrategistas navais afirmam cada vez mais que o tamanho da frota também é importante – quanto maior, melhor.
Carlos Del Toro, o secretário da Marinha dos EUA, diz que está se empenhando na construção naval. Ele comandou uma revisão das causas dos problemas da construção naval nos EUA e está buscando recomendações para uma base industrial de construção naval que “forneça as capacidades de combate de que os nossos combatentes precisam, em um cronograma que seja relevante”, segundo a Marinha. Em outubro, ele visitou um estaleiro particular não muito distante de San Francisco.
A área abrigou um dos mais movimentados estaleiros durante a Segunda Guerra Mundial – um símbolo dos dias de glória da construção naval americana, assim como a ilha de Changxing representa o poderia da China na construção naval hoje. O Mare Island Naval Shipyard construiu 17 submarinos nucleares nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra, antes de ser fechado na metade dos anos 90.
“A história demonstra um padrão claro: nenhuma grande potência naval existiu sem ser também uma potência marítima comercial dominante, englobando tanto a construção naval como o transporte marítimo global”, disse Del Toro no fim do ano passado.
Fonte: Valor Econômico
Clique aqui para ler o texto original: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/03/11/china-se-torna-estaleiro-do-mundo-e-se-capacita-para-ampliar-poderio-militar.ghtml
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