Acordo Mercosul-UE é improvável em 2024
fev, 02, 2024 Postado porSylvia SchandertSemana202405
As recentes declarações do presidente francês, Emmanuel Macron, contra o acordo comercial Mercosul-UE ilustra o mau momento político em 2024 para avançar e colocar um ponto final nas tratativas depois de mais de duas décadas de negociações, avaliam especialistas ouvidos pelo Valor. A conjuntura do segundo semestre do ano passado, quando Brasil e Espanha comandaram de forma temporária os blocos, despontou como uma oportunidade estratégica para encaminhar os termos da parceria, que mesmo assim não foi concluída. Agora, a pressão dos agricultores europeus – personagens importantes na política doméstica do bloco – faz com que governos como o francês se posicionem com mais firmeza de forma contrária ao acordo.
Outro fator que dificulta o possível fechamento das negociações neste ano, na visão dos especialistas, é a eleição para o Parlamento Europeu, em junho, que tende a registrar redução no número de políticos pró-acordo. Nesse cenário em que parece vidente que as tratativas ficarão, mais uma vez, paralisadas, Macron aproveita para alimentar uma retórica protecionista que tem adesão entre os franceses, diz o professor de relações internacionais da FGV Oliver Stuenkel.
“É um acordo pouco popular, e Macron está fragilizado. Essa é uma sinalização que politicamente consegue atender demandas de grupos diferentes a um custo pequeno. Toda a sociedade civil ambientalista se opõe ao acordo, o agro francês também”, diz. “É um pouco bater em cachorro morto, porque o acordo já está praticamente descartado. Os principais players da UE que apoiaram esse acordo precificaram que não vai acontecer. Tem pouco custo político essa costura dele.”
Manifestações de agricultores brotam até em países que são considerados aliados do Brasil nas negociações do acordo, como a Alemanha. “Há a leitura de que nesse contexto não dá para construir um acordo com uma superpotência agrícola como o Mercosul”, aponta Stuenkel.
Ex-embaixador em Paris, o diplomata Marcos Azambuja reforça a influência que os setores agrícolas mantêm nas eleições europeias, a despeito da perda de peso da agropecuária nos países. Para o conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no entanto, o impasse atual no acordo não é resultado de “defeitos graves” na negociação.
“A questão era e é naturalmente muito complexa e, ao longo dos anos, o Brasil se apresentava cada vez mais como um grande ator no comércio mundial de alimentos, tendência que deve perdurar”, diz. “Não se trata, assim, de uma disputa entre adversários, mas apenas o resultado de interesses e prioridades que não puderam ser conciliados, de um lado e do outro.”
A impressão de Azambuja é de que o projeto terá dificuldades “quase que insuperáveis” para voltar a ser considerado em sua forma atual. A oposição categórica francesa, explica o embaixador, ecoa as preocupações de outros europeus com economias largamente voltadas para a agricultura e a pecuária. “Não me parece ser reversível no curto prazo”, sentencia.
A maior preocupação do embaixador é que uma eventual pressa para consolidar o acordo faça com que se busque aceitar “emendas e exigências adicionais que o tornariam ainda mais inadequado”. Grandes burocracias, diz, não gostam de admitir que não chegaram a um bom desfecho após tantos anos de negociação. “Temo esforços de última hora para salvar acordos à custa de novas e ainda maiores concessões que incidiriam principalmente sobre nós”, avalia. No último ano, o governo Lula reclamou sobretudo das restrições europeias às compras governamentais e de exigências ambientais que poderiam provocar sanções aos países do Mercosul.
Diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), a economista Sandra Rios vê o acordo como um “bode expiatório” politicamente conveniente para Macron diante do cenário agrícola europeu. As manifestações do setor, diz, são mais motivadas pelo aumento de custos que a agricultura europeia vem sofrendo por causa de decisões sobre transição energética e do endurecimento das leis ambientais.
“O acordo Mercosul-União Europeia entra um pouco para compor ou criar um elemento adicional que não está diretamente envolvido nos problemas recentes”, afirma. “O problema agora parece mais europeu do que do Mercosul. A janela política se fechou. Não quer dizer que seja impossível, mas pelo menos para 2024 o acordo Mercosul-UE ficou mais difícil, sobretudo pela questão política na Europa.”
A constatação da economista é acompanhada de um lamento: “É uma enorme perda de oportunidade para o Brasil, o Mercosul e a União Europeia, inclusive do ponto de vista geopolítico”. Ela prossegue: “Num cenário em que tenho sérias dúvidas sobre para onde vai o conflito tecnológico e político entre Estados Unidos e China, o acordo Mercosul-União Europeia traria um arcabouço para criar um ambiente de negócios mais favorável entre os blocos, com mais previsibilidade para o desenvolvimento dos negócios, dos investimentos, mais clareza sobre condições de acesso aos mercados”.
Veja abaixo quais foram as principais exportações do Brasil para a UE no ano passado. Os dados são do DataLiner da Datamar.
Principais exportações para a UE | Jan 2023 – Dez 2023 | TEUs
Fonte: DataLiner (clique aqui para solicitar uma demonstração)
2024 tem sido pintado por analistas como ano repleto de incertezas, e Stuenkel também o faz. Além dos dois aspectos sempre destacados – as guerras em curso e a eleição nos Estados Unidos -, o professor cita os aspectos internos no Mercosul, como a posição ainda pouco definida do presidente argentino, Javier Milei, e a eleição no Uruguai, país que foi a voz mais rebelde do bloco nos últimos anos.
“Por duas décadas, defendi esse acordo, mas agora acho melhor encerrar a questão. O custo de oportunidade é significativo. Dificilmente haverá um pronunciamento de que acabou, mas é preciso ter um sentimento de virada de página para o Brasil decidir o que quer do Mercosul, se quer iniciar uma negociação de livre-comércio com a China”, diz Stuenkel. “O Uruguai está debatendo o acordo com a China, e a reação brasileira tem sido bastante passiva. É algo que pode ter grandes consequências para o Mercosul, mas não está tendo o debate, em parte por causa dessa quantidade de incertezas.”
Fonte: Globo Rural
Clique aqui para ler o texto original: https://globorural.globo.com/pecuaria/boi/noticia/2024/02/china-deve-habilitar-20-frigorificos-brasileiros-para-exportacao-este-mes.ghtml
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