Ambições globais do Uruguai abalam parceiros do Mercosul
dez, 28, 2022 Postado porGabriel MalheirosSemana202252
As reuniões presidenciais entre os países membros do Mercosul eram geralmente tranquilas até que o Uruguai optou por “se abrir para o mundo” sob a liderança de Luis Lacalle Pou, grande aliado do setor privado.
Trabalhando duro para negociar novos acordos comerciais fora do bloco regional desde que assumiu o cargo em março de 2020, as ambições de Lacalle Pou são motivo de descontentamento por parte dos outros membros do bloco à medida que as alianças políticas mudam.
Essas tensões ficaram em evidência na cúpula do Mercosul ocorrida na capital uruguaia Montevidéu em dezembro. Lá, foram desferidas acusações de jogo sujo e táticas antidesportivas após as notícias de que o Uruguai havia se candidatado de forma independente para ingressar na Parceria Transpacífica dias antes, uma aliança comercial de 11 membros, incluindo Austrália e Japão. Isso ocorreu após negociações comerciais bilaterais separadas com a China e a Turquia no início deste ano.
“O Uruguai precisa escolher se está alinhado com o Mercosul”, disse o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Santiago Cafiero, ao Financial Times à meados da cúpula ocorrida no início deste mês, na qual o Uruguai transferiu a presidência do Mercosul para a Argentina.
Junto com Argentina, Brasil e Paraguai, o Uruguai forma a união aduaneira Mercosul, cuja existência já dura três décadas e na qual nenhum país individualmente pode negociar acordos preferenciais com terceiros.
Mas alguns especialistas descreveram a aliança protecionista como uma das “menos eficazes” do gênero em todo o mundo, tanto em termos de comércio entre seus membros quanto com parceiros externos. O bloco também luta para finalizar um acordo de livre comércio com a UE, um processo que está entrando em seu 24º ano.
Esses atrasos e frustrações estão entre os fatores que encorajam Montevidéu a explorar mercados estrangeiros sozinha. O Mercosul não pode mais liderar “com uma mentalidade que data do início dos anos 1990”, disse Lacalle Pou, ou retardar o progresso econômico de um membro.
Chile, Colômbia, Peru e México estão mirando o Pacífico para expandir o comércio com a Ásia. Todos aderiram ao TPP, com exceção da Colômbia, enquanto o Mercosul focou para trás.
Os três outros membros do Mercosul apelaram à unidade regional, ameaçando penalizar o Uruguai com uma série de medidas não divulgadas se continuar buscando acordos comerciais sozinho.
Os críticos denunciam estas ameaças como uma tentativa intimidação do país menor que desencadeou discussões reais sobre a reestruturação da aliança, o que poderia levar ao seu rompimento. Argentina e Brasil respondem por quase 90% do PIB do bloco, o que lhes confere maior influência nas negociações. Alguns dizem que os dois maiores países usam o Mercosul como um escudo comercial, para proteger suas indústrias da competição internacional.
O ministro das Relações Exteriores do Uruguai afirma que o país quer se modernizar, e não se separar do bloco, que representou cerca de um terço do fluxo comercial total do Uruguai em 2022.
Na semana passada, a Câmara de Comércio Uruguai-China reiterou seu apoio às medidas tomadas pelo governo uruguaio para aprofundar as relações comerciais entre as duas economias, afirmando que “avançar” o TLC com a China é “central” para sua estratégia.
Ignacio Bartesaghi, professor de relações internacionais da Universidade Católica do Uruguai, disse que o erro do governo uruguaio foi “fazer muitos negócios de uma só vez”, enervando os membros em um momento de mudança política no Brasil, que inevitavelmente afetará a dinâmica do grupo.
A partir de janeiro, o líder esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência brasileira. O então presidente Jair Bolsonaro havia sido aliado de Lacalle Pou e, em menor escala, de Mario Abdo Benítez, do Paraguai.
Bolsonaro não priorizou a coordenação regional. Em vez disso, ele viu no Uruguai uma oportunidade para mudar a estrutura fronteiriça do Mercosul em benefício próprio – segundo um diplomata brasileiro, o Brasil deu ao vizinho Uruguai “espaço para respirar”, para avançar na pauta com a China e outros parceiros. O ministro das Finanças do governo Bolsonaro até prometeu apoio aos esforços de Lacalle Pou para tornar o Mercosul mais flexível, desafiando o Ministério das Relações Exteriores em uma rara declaração após a cúpula de dezembro.
Lula pode ter outras ideias. Ele já enfatizou que maior integração latino-americana e multilateralismo serão fundamentais para a política externa de seu governo.
Bartesaghi sugeriu que nem tudo pode estar perdido quando se trata das ambições comerciais do Uruguai. Lula é fortemente favorável ao fortalecimento do comércio, principalmente com a China, que continua sendo o maior comprador do Brasil. Nos dois mandatos anteriores de Lula como presidente no início dos anos 2000, o Brasil tornou-se membro do bloco Brics com Rússia, Índia e China, que se tornou uma importante ferramenta para a cooperação global.
Fonte: Financial Times
Para ler o artigo original, acesse: https://www.ft.com/content/1d8834b4-b531-4263-b435-6354128a1a9d
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