Chineses aceitam pagar mais por carne ‘sem desmatamento’
maio, 03, 2024 Postado porGabriel MalheirosSemana202417
Em um momento em que a China amplia o número de frigoríficos brasileiros autorizados a vender carne bovina ao país, uma pesquisa feita em Pequim e em Xangai mostra que parte dos consumidores chineses está disposta a pagar mais pelo produto.
Mas com uma condição: que essa carne não esteja associada ao desmatamento da Amazônia. A pesquisa é fruto de um projeto da Academia Chinesa de Ciências Sociais e a FGV Agro, da Fundação Getulio Vargas. O trabalho das duas instituições tem o apoio da ONG americana The Nature Conservancy.
Mesmo com uma amostra pequena de consumidores que compram carne bovina brasileira na China — apenas 720 foram ouvidos, nas duas maiores cidades do país — o resultado surpreendeu os pesquisadores.
Em média, os entrevistados afirmaram que pagariam 22,5% a mais do que pagam hoje pela carne do Brasil se ela viesse com alguma garantia de que é de criações de gado em áreas de desmatamento zero. Um quilo de filé mignon chega aos chineses atualmente a preços que variam de cerca de US$ 40 a cerca de US$ 70 (o equivalente a R$ 204 a R$ 357).
No ano passado, as exportações brasileiras de carne bovina totalizaram US$ 5,73 bilhões — quase 1,2 milhão de toneladas. O Brasil responde por cerca de 60% da carne importada pela China. A China é o maior importador de carne bovina do Brasil e em março habilitou mais 38 unidades de frigoríficos brasileiros para atender seu mercado, a maior parte justamente de carne bovina. Com isso, o número de unidades de carnes (bovina, aves e suínos) do Brasil com autorização para vender à China subiu para 144.
Kevin Chen, acadêmico chinês e membro da Universidade de Zhejiang, diz que uma perspectiva é que, em algum momento, a carne brasileira livre de desmatamento possa ser vendida nos mercados chineses com um selo que ateste sua rastreabilidade. Chen está no Brasil esta semana para reuniões e para apresentar detalhes da pesquisa, em um encontro que ocorre nesta terça-feira, em São Paulo.
Eduardo Assad, pesquisador do FGV Agro, afirma que a indústria da carne no Brasil tem avançado em termos de rastreabilidade. Mas que há ainda uma parcela de produtores que dá menos importância para a sustentabilidade, com o argumento de que sempre haverá muitos consumidores que não levam em conta essa questão na hora da compra.
Assad diz que a sondagem com consumidores chineses reforça uma percepção que ele defende há anos. “Não vai ser o governo [que vai puxar uma mudança na forma de se produzir], não vai ser órgão regulatório. Vai ser o mercado. Isso já está acontecendo, embora ainda numa escala pequena, mas vai explodir quando a China falar que paga mais por uma carne sustentável.”
Ao falar da ideia de um futuro selo, Chen afirma que não quer parecer ingênuo. “Não estou dizendo que um selo desse tipo vá solucionar todos os problemas”, diz. Mas, acrescenta, que há a possibilidade de que chineses aceitem pagar um preço extra para ter certeza de que não estão contribuindo com o corte de floresta do outro lado do mundo. “A pesquisa mostra que isso é factível. A indústria e o governo têm de atentar para isso.”
Chen é uma voz influente junto ao governo chinês em temas relacionados à sustentabilidade e à alimentação. E estabelece uma diferença marcante entre o caminho que está propondo na China e o caminho adotado pela União Europeia. Os europeus aprovaram regras que impedirão a entrada no bloco de um conjunto de produtos que não tiverem sinal verde de um sistema de controle e auditoria. “Não queremos que um futuro sistema de selo seja mandatório. Queremos que seja voluntário. Quando é mandatório, seja ou não uma boa política, se torna um tema polêmico. Se é voluntário, deixamos que o mercado decida”, diz Chen.
Aumento da produtividade
Fernando Sampaio, diretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Carne (Abiec), afirma que o país tem potencial para produzir mais em áreas menores e que o mercado é o motor para ampliar essa eficiência.
Em relação ao desmatamento, a Abiec fala da necessidade de mais ações de controle por parte do Estado e também de ações do setor privado. Um dos elos frágeis da cadeia na carne no país continua sendo o dos fornecedores indiretos de animais. São aqueles pecuaristas que não vendem gado para os frigoríficos, mas que fornecem animais para as fazendas que têm contratos com a indústria. “A questão é que a gente não tem informação sobre esses indiretos”, afirma Sampaio.
Apesar do resultado da sondagem, Chen diz que hoje consumidores e importadores da China não consideram um problema o fato de não terem informação suficiente sobre rastreabilidade da carne. “No momento, não é. Mas será no futuro. Por algumas razões: uma delas é que a comunidade internacional dá atenção para o tema do desmatamento e a China, que importa muitos produtos do Brasil, também. Isso tem se tornado uma questão importante”.
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