Comércio internacional argentino navega por águas turbulentas
jun, 09, 2023 Postado porGabriel MalheirosSemana202323
Restrições recentes impostas pelo governo argentino ao acesso a dólares para o pagamento de fretes internacionais colocam o país no mesmo patamar que a Venezuela como um “porto sujo”, o que significa que esses serviços não podem ser pagos utilizando moeda local. O contexto é desfavorável e, a curto prazo, devido à falta de dólares, as empresas não esperam que a situação se reverta.
Além disso, as doze companhias de navegação que operam na Argentina têm expressado preocupação sobre a “incerteza” em relação à hidrovia, que continua sob controle estatal e com atrasos na concessão.
A medida A 7771 do Banco Central, que revoga uma exceção estabelecida para o pagamento de fretes e determina que as empresas não possam acessar imediatamente o mercado de câmbio para pagá-los, mas sim que sejam obrigadas a contar com uma declaração aprovada pelo Sistema de Importações da República Argentina e Pagamentos de Serviços no Exterior (Sirase), complicou ainda mais a situação.
Julio Delfino, presidente do Centro de Navegação da República Argentina, destaca que tem sido “impossível” fazer avanços setoriais com o governo, apesar de os problemas terem sido alertados por “quase todos os elos” da cadeia produtiva e logística.
O executivo destaca que, desde 19 de maio, os conceitos S02 (fretes) e S04 (outros serviços de transporte) exigem pré-aprovação no Sirase. Delfino lamenta que a interpretação anterior do Banco Central de “separar adequadamente o frete internacional” não tenha sido suficiente para suprir as necessidades do governo diante da escassez de dólares que poderiam restar.
Com ironia, comenta que a última medida soma aos navios mercantes (cargueiros, petroleiros, gaseiros, oleiros, etc.) os porta-contêineres que já existiam: “Poderíamos reconhecer um avanço na coerência, já que o ‘não’ agora é para todos, independentemente se o frete internacional é apresentado por um exportador, importador, agente de carga ou marítimo”.
Os agentes envolvidos no comércio internacional advertem que há uma infinidade de problemas decorrentes da situação gerada pelas restrições impostas. “As companhias de navegação, para que os navios continuem vindo para a Argentina, resolvem cobrar o frete no exterior, senão não carregam”, explica um operador.
“O que pode ser feito sobre isso? Não há marinha mercante argentina; se pelo menos houvesse, resolveria uma parte do volume porque, claramente, não seria suficiente para tudo – ressalta. Se não for pago no exterior, a cadeia logística é interrompida e isso leva ao desabastecimento”. Outra possibilidade que a fonte menciona é que as companhias de navegação decidam descarregar no porto de Santos (Brasil) ou Montevidéu (Uruguai).
As diferentes entidades envolvidas no setor vêm alertando sobre os problemas que se multiplicam, incluindo aspectos mencionados pela fonte. Enfatizam que o dano não é apenas para as empresas diretamente ligadas aos fretes, mas para “toda a cadeia”.
A Câmara de Exportadores (CERA) argumenta que essas complicações se somam às “obsolescências” que já existem na conexão da Argentina com o mundo, como o calado do porto de Buenos Aires, que causou a “perda de rotas” e sua gradual transformação em um “feeder” de outros portos não nacionais.
Os exportadores não duvidam que a consequência seja uma “queda violenta das exportações, uma operação logística substancialmente mais cara e, portanto, menos dólares entrando no país, aumentando a tensão cambial”.
A Câmara de Importadores (CIRA), em uma nota ao ministro Sergio Massa, apontou que o país está em uma “situação logística delicada, uma vez que – além de ter os custos portuários mais altos da América Latina – sua localização geográfica implica que a Argentina seja um ponto de destino final e não de trânsito, correndo o risco constante de perder tráfego e frequências de navios, aviões e caminhões para outros países da região, mais competitivos, de acesso mais fácil e com volumes significativos de operações regulares”.
Nesse sentido, eles destacaram que a medida “desorienta” os importadores e exportadores, que são obrigados a fazer alterações nas operações logísticas, o que implica “custos maiores”.
Operadores alertam que não há como “acumular mais contêineres do que os que já estão parados nos portos”; eles descrevem que, desde o ano passado – quando o governo começou a solicitar que as empresas financiassem parte de suas importações – os contêineres têm ficado sem embarcar. A situação tem se “agravado” e, segundo relatos, os depósitos alfandegados e a zona franca estão “lotados”.
O que vários levantam é a dúvida de se continuarão chegando tantos contêineres à Argentina, uma vez que as últimas resoluções geraram uma “dispersão significativa” nos preços dos fretes.
Até o momento, nenhuma empresa de navegação parou de operar na Argentina, mas nenhuma delas planeja aumentar a capacidade de armazenamento ou adicionar mais navios, apesar da demanda por exportações ainda estar “alta”. De acordo com dados do setor, atualmente há 25% menos espaço de armazenamento do que em 2019, antes da pandemia.
Em relação aos preços, segundo as empresas, os fretes de importação estão 80% mais baratos do que durante a pandemia, e os de exportação estão entre 30% e 40% mais baixos. Eles afirmam que os preços estão “alinhados com o mundo”. Por exemplo, o trecho Xangai-Buenos Aires chegou a uma média de US$15.000 por contêiner em 2021-2022 e hoje está em torno de US$2.000.
Para importações, a rota principal demandada pela Argentina é a Ásia, enquanto para as exportações REEFER, com maior valor agregado, o principal destino é o norte da Europa, seguido pelos Estados Unidos, Caribe, Brasil e Ásia. A situação mais desequilibrada ocorre na Ásia, de onde entram quatro contêineres para cada um que sai.
O futuro da hidrovia – pela qual 80% do comércio argentino passa – é outro tema que gera “incerteza” entre as empresas de navegação, que aguardam a decisão de manter a administração a cargo da Autoridade Nacional de Controle e Gestão da Via Navegável (Ecovina) ou abrir para licitação internacional. Os governadores do Conselho Federal da Hidrovia são favoráveis a que o canal permaneça sob controle do Estado por mais alguns anos.
Delfino destaca, priorizando a “importância de alcançar a licitação” da via de navegação principal: “A partir dos editais e obras futuras, determinaremos a profundidade, largura do canal, zonas de passagem, adaptações e outras questões necessárias para as projeções do nosso comércio exterior. Essa infraestrutura é a que deve impulsionar o crescimento do país, fortalecendo a competitividade dos fretes e permitindo que os custos por tonelada sejam suficientemente baixos para que nossas cargas sejam adquiridas em mais destinos ao redor do mundo”.
Ele reitera que a demora nas obras e até mesmo nas definições sobre o assunto impedem, por exemplo, que se o debate em relação ao futuro do porto de Buenos Aires ocorra com bases sólidas, “atrasando investimentos necessários em todos os portos rio acima, ansiosos por melhorar o desempenho de suas cargas diante de navios cada vez maiores com necessidades de calado muito maiores do que os atuais 34 pés”. Ele observa que as concessões portuárias vencem em 2024, então faria “pouco sentido” realizar uma nova licitação sem saber “quais navios podem entrar no porto, uma vez que a projeção de profundidade de acesso está indeterminada”.
Fonte: La Nación
Para ler a matéria original, acesse: https://www.lanacion.com.ar/economia/comercio-exterior/el-comercio-internacional-argentino-se-mueve-en-aguas-turbulentas-nid08062023/
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