Commodities ganham espaço da indústria na exportação para América do Sul
fev, 20, 2024 Postado porGabriel MalheirosSemana202408
As commodities agrícolas e extrativas ganharam mais espaço nas exportações brasileiros em 2023 não só para a China como também aos países vizinhos, o que mudou o perfil da pauta exportadora no ano.
Juntos, petróleo, minério de ferro e soja tinham 8,5% das vendas para a América do Sul em 2019. No ano passado a fatia subiu para 15,6%. Somado ao milho, outra commodity agrícola que aparece entre os dez mais embarcados no ano passado, a participação foi de 9,3% a 17,5% no mesmo período de quatro anos. Há dez anos a fatia era de 12,1%. Dos quatro produtos, apenas o petróleo estava entre os dez mais vendidos pelo Brasil à região em 2019.
O avanço das commodities se deu por convergência de vários fatores. Alguns conjunturais, como a seca que quebrou mais de 40% da safra de grãos argentina em 2023, mas também houve fatores considerados mais estruturais, como o crescimento das vendas externas de petróleo baseado em aumento da produção doméstica, indicam especialistas. Preços ainda relativamente favoráveis para exportação também contribuíram.
Ao contrário das commodities, os automóveis, incluindo os destinados para transporte de passageiros e de mercadorias, assim como partes e acessórios, perderam espaço nas exportações aos sul-americanos. A fatia caiu de 18,5% em 2019 para 14,7% em 2023.
Item tradicional na pauta de embarques aos países vizinhos, os automóveis para passageiros lideraram o ranking até 2020. Em 2021 os carros praticamente empataram com o petróleo e em 2022 perderam a posição para a commodity. Em 2023, o petróleo se manteve como o principal produto exportado pelo Brasil aos sul-americanos, seguido de veículos para passageiros e em terceiro, a soja. Nesse ranking, o minério de ferro subiu do 13º lugar em 2019 para o oitavo no ano passado. O milho, do 23º para o sétimo. Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic).
O avanço das commodities agrícolas e extrativas na região, diz Lucas Barbosa, economista da AZ Quest, refletiu em parte o que aconteceu também na exportação brasileira como um todo em 2023. No ano passado a soja liderou a exportação brasileira geral, com fatia de 16%. “Houve um cenário atípico positivo para o Brasil, que teve uma supersafra do grão, o que possibilitou exportação gigante a preços robustos, apesar da desaceleração no decorrer de 2023. Ao mesmo tempo, houve quebra de safra local na Argentina, o que levou o país vizinho a comprar soja brasileira”, afirma.
Segundo a Secex, os argentinos ficaram com 93,9% de toda soja brasileira embarcada aos sul-americanos. A Argentina comprou em 2023 total de US$ 2 bilhões do grão vindo do Brasil. Na média dos quatro anos anteriores, essa aquisição ficou em US$ 130 milhões.
Gabriela Faria, economista da Tendências, lembra que em 2023 houve redução de 43% na produção de soja pelos argentinos, por questões climáticas. Ela cita dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). A projeção do órgão, diz ela, é que a recuperação para a soja em território argentino seja de 100% na safra 2023/2024.
Ao mesmo tempo, o Brasil deve ter uma boa safra de grãos neste ano, diz Faria, mas não tão grande quanto a do ano passado. O quadro nos dois países deve levar as importações argentinas do grão próximas a patamares históricos anteriores, avalia a economista.
Já o minério de ferro e o petróleo, diz Faria, têm em comum o aumento de produção no ano passado, o que também se refletiu na elevação de volume de exportações. Para 2024, no caso do minério de ferro, diz ela, considerando as metas divulgadas por companhias do setor, a expectativa é que haja aumento de volume de produção, mas com desaceleração, sem a magnitude de variação do ano passado. Já para os preços, que subiram recentemente, o cenário é mais incerto. “A evolução de preços dependerá muito da China, principalmente da construção civil.”
No caso de petróleo, os aumentos de embarques podem ser algo mais permanente na América do Sul, diz Barbosa, da AZ Quest, dada a expectativa de aumento de produção brasileira do petróleo. A região, diz, pode ser alternativa a mercados mais tradicionais, como China e países europeus. “No ano passado a demanda sul-americana de petróleo veio principalmente do Chile, país que tem um déficit energético estrutural”, diz. Segundo a Secex, os chilenos compraram em 2023 US$ 3,1 bilhões em petróleo contra US$ 1,2 bilhão em 2019.
“A produção de petróleo aumentou em 2023 com aceleração no segundo semestre, o que deve mostrar efeitos ainda em 2024”, diz Faria, da Tendências. “Há também questão de preços, dados os riscos geopolíticos que temos acompanhado. E por mais que a capacidade brasileira de exportação cresça, a demanda é limitada pela capacidade de refino entre os países sul-americanos. Mas as perspectivas para o petróleo são positivas para 2024. Com a safra menor de grãos esperada no Brasil para este ano, o petróleo pode ser um grande destaque para a balança como um todo neste ano.”
O quadro, diz Welber Barral, sócio da BMJ, mostra também que o Brasil perdeu competitividade relativa na exportação de produtos industriais. A fatia dos bens da indústria de transformação nas exportações à América do Sul caiu de 89% em 2019 para 84% em 2022. Com o efeito-soja no ano passado, a fatia recuou para 79%. Os produtos da agropecuária saíram de 3% em 2019 e chegaram a 5% três anos depois. Em 2023 foram a 9%. A indústria extrativa foi de 8% para 11% de 2019 a 2023.
Numa perspectiva mais longa e usando outra classificação, os produtos de alta e média-alta tecnologias exportados à América do Sul eram 49,4% do total exportado em 2014, subiram a 52,3% em 2019, passaram por 45,8% em 2022 e fecharam 2023 com 42%. Nessa classificação estão os automóveis. Nos itens sem classificação tecnológica, que incluem soja, milho, minério de ferro e petróleo bruto, a fatia saiu de 15,9% em 2014, caiu para 11,5% em 2019, subiu a 17% em 2022 e a 22,2% no ano passado.
A perda de competitividade, diz Barral, deve-se, entre outros motivos, à maior concorrência da China e dos EUA nos mercados sul-americanos. “Países como Chile, Peru e Colômbia têm população relevante e, fora a crise da covid-19, continuaram crescendo nos últimos anos. O Brasil acabou não participando muito disso. A reforma tributária deve ajudar a reduzir os custos brasileiros de produção, mas é preciso políticas mais agressivas voltadas à região para elevar o embarque de manufaturados.”
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), os automóveis e a produção ligada a eles são a base mais estrutural da exportação brasileira aos sul-americanos. São embarques, diz, que passam por altos e baixos conforme a economia da Argentina. O país ainda é o principal destino sul-americano de veículos para passageiros, com embarques de US$ 1,4 bilhão em 2023. Foi metade do que o Brasil vendeu em carros para a região em 2023, mas bem abaixo do US$ 1,9 bilhão vendido aos argentinos em 2019.
O setor automotivo, ressalta Faria, da Tendências, foi impactado no pós-pandemia de covid-19 com o encarecimento de insumos, como reflexo da inflação global resultante dos vários choques dos últimos anos. “Os preços dos fretes marítimos voltam a preocupar em razão dos efeitos do conflito no Oriente Médio no redirecionamento das rotas comerciais.”
Ainda no campo dos manufaturados, Castro lembra que o Brasil também tem sofrido concorrência do México, país que em 2023 ocupou o lugar da China como maior fornecedor externo aos Estados Unidos. A maior escala resultante no fornecimento aos americanos, diz Castro, tende a tornar o México mais competitivo no abastecimento de bens industriais a mercados como Colômbia e Peru.
Para Faria seria importante a diversificação maior da pauta exportadora brasileira para reduzir riscos vindos da dependência de poucos produtos. Ela destaca que outros países sul-americanos também são bastante dependentes da exportação de commodities, o que traz desafios adicionais na região.
Fonte: Valor Econômico
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