“Desglobalização” começa a abrir oportunidades para o Brasil
out, 30, 2023 Postado porGabriel MalheirosSemana202344
O Brasil perdeu o bonde do processo de globalização que começou nos anos 1980. Mas pode ter uma segunda chance no atual processo de desglobalização (ou de ajuste da globalização). Dois episódios da semana passada sugerem que uma nova janela de oportunidade está se abrindo para o país ampliar a sua inserção internacional.
De 1990 a hoje, a fatia dos países emergentes nas exportações globais mais que dobrou. No entanto, a participação do Brasil cresceu bem menos, cerca de 20%. Além disso, nesse período ocorreu uma concentração das exportações brasileiras em bens primários, com perda de fatia de mercado em produtos manufaturados.
Agora, porém, o mundo vive um período de embate estratégico entre a velha superpotência, os EUA, e uma superpotência emergente, a China. A relação entre os dois países vem se deteriorando, à medida que Washington tenta retardar o desenvolvimento tecnológico chinês e que Pequim adota posturas mais agressivas nas suas relações externas.
Essa tensão gera uma série de dificuldades. O Ocidente está barrando a exportação de itens de alta tecnologia para a China, ao mesmo tempo em que busca reduzir sua dependência de produtos e insumos chineses. Empresas ocidentais estão sendo estimuladas a diminuir sua exposição à China (o chamado “de-risking”), levando parte de sua produção ou de sua cadeia de fornecimento para países mais amigáveis (o “friendshoring”) e/ou para países mais próximos (o “nearshoring”).
Muitos analistas falam num processo de reversão da globalização ou de desglobalização. É mais provável que seja um ajuste na globalização dos últimos 40 anos, devido às mudanças geopolíticas globais. Esse movimento parece estar abrindo oportunidades para países como o Brasil. Dois episódios recentes ilustram bem isso.
Uma delegação americana visitou o Brasil na semana passada. Havia autoridades do governo (embaixada, Departamento de Estado e Eximbank) e representantes de empresas, como Nvidia, Meta, Google e Cloudflair. O objetivo era negociar o desenvolvimento e a produção de chips de processamento (não de memória) de tecnologia madura (acima de 16 nm) no Brasil, para abastecer o mercado interno brasileiro e o americano.
Esses chips seriam normalmente produzidos na China, mas os EUA precisam agora criar uma rede alternativa de parceiros confiáveis, para o caso de a China cortar abruptamente o fornecimento. Como os EUA estão fazendo ao cortar a venda de chips de alta tecnologia à China. Ou como a Rússia fez ao cortar o fornecimento de gás natural para países europeus, na esteira da guerra na Ucrânia.
Em reunião na Universidade de São Paulo (USP), a delegação americana discutiu questões como repasse de tecnologia e financiamento à produção no Brasil, à medida que indústria dos EUA foca na produção de chips mais modernos, de maior valor agregado. Esses chips de tecnologia madura são ainda amplamente usados em aplicações como computação de borda e computação de enxame.
O presidente dos EUA, Joe Biden, já havia mencionado o interesse americano em também tornar o México um player na cadeia desses semicondutores.
O outro episódio foi o anúncio da China de que vai passar a exigir licenças prévias de exportação de grafite. Essa medida costuma ser usada para restringir as exportações. Parece ser uma resposta chinesa às proibições de exportações para a China impostas pelo governo dos EUA.
O grafite é um componente fundamental, entre outras coisas, para as baterias que movem os carros elétricos. Há uma intensa disputa por fatia de mercado nesse setor de veículos elétricos, e as empresas chinesas estão na dianteira. A China é o maior produtor de grafite do mundo (67% da produção global) e responde por 90% do grafite refinado usado nas baterias para carros elétricos. Qualquer restrição à exportação desse produto teria um impacto muito duro para as empresas ocidentais de baterias e de veículos.
Terceiro maior produtor de grafite do mundo, o Brasil é, também nesse caso, um candidato a ser uma alternativa ao produto chinês. Há empresas brasileiras que produzem o grafite refinado.
Esses foram apenas dois exemplos recentíssimos de oportunidades que estão sendo geradas pela corrida do Ocidente para redefinir a sua área de influência e de confiança econômica, que está levando à formação de cadeias de produção alternativas às da China e mesmo da Ásia.
O presidente Joe Biden quer reindustrializar os EUA para enfrentar a China. Trilhões de dólares serão investidos nisso nos próximos anos. Há um potencial enorme para entrar nessas novas cadeias de suprimentos americanas/ocidentais.
E o Brasil, além de oferecer uma base industrial importante, consegue gerar um produto industrial com pegada menor de carbono, devido à sua matriz energética mais limpa em relação à maioria dos países.
Por Humberto Saccomandi.
Fonte: Valor Econômico
Para ler a matéria original, acesse: https://valor.globo.com/mundo/coluna/desglobalizacao-comeca-a-abrir-oportunidades-para-o-brasil.ghtml
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