Economia

Exportações da China para países emergentes aumentam como alternativa aos EUA

fev, 19, 2024 Postado porSylvia Schandert

Semana202404

No ano passado, diante dos movimentos protecionistas em seus mercados tradicionais, americano e europeu, evidenciou-se o quanto a China voltou seus navios e trens de carga para outras regiões. O maior destino das exportações não foram os EUA, que ficaram em US$ 500 bilhões, mas, pela primeira vez, o Sudeste Asiático, que marcou US$ 524 bilhões.

O foco se dirigiu também para Oriente Médio e América Latina, além de Rússia e Ásia Central, nos setores de maior tecnologia em que Pequim aposta agora. As vendas de carros elétricos chineses em 2023, segundo o analista do setor TP Huang, saltaram mais de 100% em países do Sudeste Asiático como Indonésia, Tailândia, Vietnã e Malásia. Também no Egito e Turquia (Oriente Médio), no México e Brasil (América Latina).

Para os carros chineses em geral, não só elétricos, os dois maiores mercados passaram a ser Rússia e México, com destaque também para Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (Oriente Médio), Tailândia e Filipinas (Sudeste Asiático).

Na Ásia Central, as vendas para Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão saltaram 200%. A região é um dos alvos originais da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, da sigla em inglês) lançada há uma década pela China, para desenvolver a infraestrutura de parceiros comerciais.

“Os carros chineses estão aumentando participação em todo o mercado emergente, inclusive no Brasil”, diz Huang. Segundo ele, a Associação de Fabricantes de Automóveis da China trabalha com uma projeção de que, tirando a própria China, EUA e Europa, esse mercado compre mais de 30 milhões de veículos neste ano.

“Mais importante ainda, é um mercado que vai crescer se conseguir acesso a veículos mais baratos”, acrescenta. “No Brasil, você deve ter notado como as vendas da BYD aumentaram quando o Dolphin foi disponibilizado.”

Desde 2000, as exportações entre os próprios emergentes passaram de 25% para 40% do total, segundo a Gavekal, consultoria de Hong Kong e Pequim. O dado foi ressaltado pela analista financeira Shuli Ren para apontar, na Bloomberg, a ascensão de uma “nova ordem comercial”, apartada do Ocidente e do dólar.

“Os emergentes já são mercados importadores importantes da China, inclusive o Brasil, e em muitos casos é um caminho de duas mãos”, diz Larissa Wachholz, que foi assessora especial do Ministério da Agricultura de 2019 a 2021, onde estabeleceu o Núcleo China.

Cita a entrada do país na Organização Mundial do Comércio, em 2000, como o pontapé inicial dessa “mudança na ordem”, seguido do crescimento acelerado de outros emergentes, principalmente Índia e países do Sudeste Asiático, como a Indonésia.

“Uma demonstração clara do potencial que foi adquirido pelo comércio entre os emergentes foi no caso das sanções contra a Rússia”, acrescenta. “As exportações para China e Índia mantiveram o comércio russo ativo.”

Pequim acelerou a mudança diante das medidas de EUA e Europa para dissociar ou “desarriscar” (de-risk, em inglês) suas economias através de tarifas de importação, controles de exportação e até do abandono de acordos com a China, como a recente saída da Itália da BRI, sob pressão de Washington. O quadro deve se acentuar se Donald Trump for eleito.

No Oriente Médio, além da BRI, a aproximação geopolítica com algumas das principais economias, como Arábia Saudita e Emirados, permitiu a entrada nos países de atores chineses também de tecnologia, como Huawei, Tencent e Alibaba.

“Temos de pensar na BRI como uma ampla política industrial”, diz Huang. “Você precisa tornar seu produto mais utilizável e mais barato. Isso significa construir infraestrutura 5G para maior uso de produtos eletrônicos de consumo. Significa construir frotas de transporte e portos e ajudar a construir ferrovias, para que o volume e o custo possam ser melhorados.”

No caso do Brasil, as importações de produtos da China (inclusive Hong Kong e Macau) até diminuíram, 12,4%, para US$ 53,9 bilhões. Mas as exportações bateram recorde, US$ 105,7 bilhões, e a parceria se ampliou.

A inclusão do país na tradicional turnê mundial de início de ano do chanceler Wang Yi foi tratada na imprensa chinesa como sinal do crescente vínculo bilateral, que celebra o cinquentenário de relações diplomáticas em agosto.

Pouco depois, em novembro, deve ser aberto com a presença do próprio líder Xi Jinping um megaporto chinês no Peru —que terá o Brasil como um de seus maiores clientes potenciais. Chancay, erguido ao custo de US$ 3,5 bilhões e com participação majoritária da empresa de logística chinesa Cosco, servirá de parada final da Rodovia Transoceânica que começa em São Paulo, podendo escoar commodities das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste.

Para os produtores brasileiros, além do ganho com o menor tempo de viagem, será uma alternativa ao Canal do Panamá, um dos gargalos de transporte marítimo que vêm afetando o comércio internacional.

“O projeto reflete a visão de infraestrutura de longo prazo, característica do desenvolvimento chinês”, diz Wachholz. “Hoje em dia, a competitividade chinesa não está na mão de obra barata e sim na eficiência da sua infraestrutura.”

Para ela, Chancay é simbólica do crescimento que os chineses adotaram em seu próprio país. “No médio e longo prazo, um porto de maior eficiência será positivo para o Brasil e os países latino-americanos, principalmente vizinhos do Peru.” Avalia que alguns estados brasileiros se beneficiem mais, como aqueles da região Norte “e o grande exportador de grãos, Mato Grosso”.

O porto peruano é parte da disseminação das rotas comerciais chinesas, que abrange, mas não se limita à BRI. No Brasil, que não se vinculou à iniciativa, a China já está presente em Paranaguá, um entre mais de cem portos pelo mundo nos quais o país investe ou tem participação.

E o Porto de Vila Velha concentra as importações da BYD, devendo receber o meganavio Explorer Nº 1 neste ano. “A chave para exportar carros elétricos para a América Latina é colocar na frota navios transportadores ‘puros’ [só de automóveis] e expandir portos, para baixar o custo até as lojas”, diz Huang. “O que poderá permitir à BYD, por exemplo, precificar o Seagull [no Brasil, Dolphin Mini] em R$ 99 mil.”

Fonte: Folha de São Paulo

Clique aqui para ler o texto original: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/02/exportacoes-da-china-para-paises-emergentes-aumentam-como-alternativa-aos-eua.shtml

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