Falta de consenso impede Porto de Santos de elevar capacidade para contêineres
jul, 19, 2024 Postado porGabriel MalheirosSemana202429
Os operadores de contêineres do Porto de Santos travam uma disputa em torno dos planos de expansão da capacidade portuária, que hoje está em situação crítica. De um lado, as empresas de navegação Maersk e MSC, acionistas do terminal BTP (Brasil Terminal Portuário), tentam convencer o governo a tirar do papel o leilão de um novo terminal, o chamado STS10. De outro, Santos Brasil e Ecoporto, da Ecorodovias, têm sido contrários à licitação. O plano alternativo seria fazer o aumento de capacidade por meio da ampliação de terminais existentes.
Por trás das divergências, há uma intensa troca de acusações sobre os interesses comerciais das empresas para defender cada um dos cenários, segundo fontes próximas a operadores e do poder público que pediram anonimato.
Críticos da Santos Brasil afirmam que a empresa tenta barrar a licitação porque se beneficia das tarifas elevadas, causadas pela falta de capacidade, e que o cenário eleva seu valor de mercado, inclusive para uma eventual aquisição da empresa. Já Maersk e MSC – que são tanto clientes dos terminais quanto acionistas da BTP – são acusadas de defender a expansão acima do necessário para baixar os preços e porque teriam interesse em conquistar um novo terminal próprio em Santos, reduzindo a dependência em relação a operadores bandeira branca, como a própria Santos Brasil. Há ainda rumores de que os armadores querem desfazer a sociedade na BTP, o que fontes próximas aos grupos negam.
Trata-se de uma disputa que se arrasta desde o governo passado e que, na visão de analistas, ajuda a travar a ampliação de Santos. Para uma fonte do poder público, independentemente da estratégia escolhida, é importante que o governo defina logo o plano, para solucionar a situação crítica.
O desentendimento entre operadores se acirrou em 2022, por conta do projeto do STS 10, que seria um megaterminal de contêineres. À época, Santos Brasil e outros grupos acionaram o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) contra a possibilidade de Maersk ou MSC disputarem o leilão. Havia o temor de concorrência desleal, dado que as duas empresas, que controlam a maior parte dos navios na costa brasileira, dariam preferência a seus terminais próprios e deixariam de usar os independentes. Já os armadores afirmaram que as acusações eram uma tentativa de limitar a competição e que os grupos nunca agiram de forma anticoncorrencial.
Ao fim, o projeto não saiu do papel e, com o novo governo, os planos mudaram. A nova administração em Santos decidiu engavetar o STS 10 e propôs outras formas de ocupar o local.
A ideia da Autoridade Portuária de Santos (APS) é que a área seja dividida: uma parte seria incorporada ao BTP; outra seria destinada ao novo terminal de passageiros, o Concais. Outro pedaço ficaria com o Ecoporto, que tenta renovar seu contrato, em um processo considerado controverso por técnicos, já que a renovação foi negada no passado. A concessão já deveria ter terminado e segue em vigor via liminar.
Além do rateio da área do STS 10, o plano da APS inclui outras expansões para contêineres: uma delas é a ampliação do terminal da Santos Brasil, incorporando um terreno hoje ocupado por moradia irregular, e, futuramente, a construção de um novo terminal, em local que hoje também é tomado por habitação ilegal.
Os planos da APS têm sido alvo de questionamento. Em março, um relatório da área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) questionou a proposta de ampliações sem licitação e apontou falta de estudos sobre o plano. O documento também critica a renovação do Ecoporto. O processo, porém, ainda não tem decisão por parte do ministro relator.
Segundo Anderson Pomini, presidente da APS, a autoridade portuária deverá concluir os estudos sobre o tema em um mês, e encaminhá-los à Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Ele reitera suas ressalvas ao STS 10 e diz que o terminal geraria um gargalo no acesso rodoviário. “Se hoje tivéssemos o STS 10 funcionando, Santos estaria totalmente parada na margem direita, porque não temos vias para escoar.” As obras viárias deverão ficar prontas em até cinco anos, diz ele.
Pomini também afirma que as ampliações de capacidade previstas são suficientes para atender a demanda até 2035. Além dos projetos futuros em estudo, já estão contratadas obras de ampliação na Santos Brasil, na BTP e no terminal privado da DP World.
A percepção, porém, é questionada por parte das empresas e especialistas. Luis Carlos Montenegro, diretor da Neowise e consultor da TIL no Brasil (subsidiária da MSC), afirma que hoje a ocupação já é crítica e que só tende a piorar. Ele aponta que o tempo de fila dos navios neste ano chegou a 24,3 horas. “Estamos muito acima do limite. Em 2023 chegamos a uma taxa de ocupação de 87%, isso não existe no mundo, é caótico. Várias cadeias de produtos dependem disso, é um impacto generalizado.” Ele explica que a taxa de ocupação ideal é de 63%, para não haver filas.
Consulte o gráfico abaixo para ver como o Porto de Santos se saiu em termos de exportações e importações de contêineres entre janeiro de 2021 e maio de 2024. As informações vieram do DataLiner. Espera-se que a expansão do terminal Santos Brasil no Porto de Santos ajude a aliviar problemas de congestionamento e aumente o tráfego de contêineres.
Exportação e Importação de Contêineres no Porto de Santos | Jan 2021 – Mai 2024 | TEUs
Fonte: DataLiner (clique aqui para solicitar uma demonstração)
Na atual conjuntura, todas as respostas precisam ser analisadas”
Com essa margem, a projeção de Montenegro é que, mesmo com as expansões contratadas e o eventual adensamento da BTP, a capacidade está aquém da demanda projetada. E mesmo se o projeto original do STS 10 saísse do papel, a perspectiva é que haveria um alívio só até 2035.
“O STS 10 daria a Santos um respiro de dez anos”, diz Patrício Júnior, diretor da TIL. Segundo ele, mesmo que o desenho do terminal seja alterado para comportar o terminal do Concais – atendendo parte do plano da APS – é possível manter a capacidade inicialmente prevista e aliviar a situação.
Já Antonio Carlos Sepúlveda, presidente da Santos Brasil, defende que a ampliação dos terminais existentes é um plano melhor e mais rápido. “Três terminais funcionam mais do que quatro, porque permite concentrar a carga de transbordo. O STS 10 também é uma solução mais demorada, os adensamentos atendem de forma mais célere.”
Ele nega que trabalhe contra o projeto por interesse próprio. “Não defendemos o não desenvolvimento do porto para ter vantagem, a prova disso é o plano de investimento que será antecipado para que o porto não tenha filas. Está se criando uma narrativa para gerar instabilidade.”
Entre analistas do setor também não há consenso sobre o melhor plano. Para Marcos Pinto, diretor da Alvarez & Marsal, o novo terminal não necessariamente significa que os armadores irão trazer carga adicional ao porto. “Seria importante garantir que é volume adicional, e não deslocado de outro terminal. A licitação não dará essa garantia.” Para ele, faltam ao Brasil arranjos jurídicos para isso.
Na visão de Roberto Levier, Coordenador do MBA de gestão portuária da FGV-SP, os planos não precisam ser excludentes, dada a expectativa de alta da demanda. “Na atual conjuntura, todas as respostas precisam ser analisadas. Não podemos deixar o parque industrial desabastecido.”
Procurada, a Maersk afirmou, em nota, que o congestionamento no Porto de Santos é uma questão estrutural. “A realidade nos diz que as cargas estão sofrendo para serem escoadas há tempos”. A empresa também pede “o cumprimento do planejamento público e a ampliação da capacidade em Santos para cargas conteinerizadas, sob o risco do Brasil perder competitividade. Nesse sentido, o maior projeto do portfólio do setor portuário brasileiro é o STS10”.
O Ecorporto disse, em nota, que sua transferência para a nova área “não impede a expansão das operações de contêineres e ainda resultaria em ganhos de eficiência” e disse que hoje é “o único terminal multipropósito da região com experiência para operar cargas especiais e de grandes dimensões”.
O Ministério dos Portos e Aeroportos não se manifestou.
Fonte: Valor Econômico
Para ler a matéria original acesse: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/07/19/falta-de-consenso-impede-porto-de-santos-de-elevar-capacidade-para-conteineres.ghtml
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