Fluxo de exportação bate recorde no 1º semestre
jul, 15, 2024 Postado porGabriel MalheirosSemana202429
Embora o primeiro semestre tenha sido palco de uma forte desvalorização do câmbio doméstico, com alta de mais de 15% do dólar contra o real, o desempenho do fluxo cambial comercial voltou a se destacar. De janeiro a junho, o exportador brasileiro trouxe para o país o valor recorde de US$ 158,4 bilhões, o maior montante nominal para o primeiro semestre do ano desde 1982, quando teve início a série histórica do Banco Central sobre o câmbio contratado.
O descasamento entre o fluxo recorde de exportação a depreciação expressiva do real na primeira metade do ano pode ser explicada pela forte saída de dólares pela importação e pelo desempenho bastante negativo da conta financeira. No primeiro semestre, o fluxo cambial ficou positivo em US$ 11,63 bilhões, abaixo do resultado visto nos últimos anos no mesmo período. Além disso, o elevado prêmio de risco embutido no câmbio pela incerteza fiscal pesou contra o real.
“É comum vermos um fluxo do exportador mais forte no primeiro semestre por conta da sazonalidade das safras”, diz a economista-chefe da consultoria Buysidebrazil, Andrea Damico. Apesar disso, ela lembra que houve um contraponto forte pelo lado das importações. “No primeiro semestre, os números de compras do exterior mostram um volume maior não só em um segmento, mas de forma disseminada, o que faz sentido se observarmos os rendimentos fortalecidos dos brasileiros, que estariam sustentando o consumo”, nota.
Os dados do BC mostram que, de janeiro a junho, enquanto a entrada de recursos pela exportação bateu recorde, a saída pela importação teve seu segundo maior montante histórico, ao alcançar US$ 115,9 bilhões. “Um exemplo que ilustra como o consumo tem ajudado a importação são as compras de pequeno valor, de até US$ 50. Antes da pandemia, o montante dessas aquisições rondava US$ 2 bilhões no acumulado em 12 meses e, agora, agora está em torno de US$ 10 bilhões”, afirma Damico.
A economista lembra, ainda, que a saída de criptoativos ajudou a ofuscar o saldo comercial, à medida que até junho a autoridade monetária considerava a compra dos ativos digitais como uma importação. “Mas agora, com a mudança das regras pelo BC, esse montante não deve mais pesar na conta comercial, mas, sim, na financeira”, diz. “Vai continuar tendo efeito sobre o fluxo cambial. É um valor relevante, que, se seguir no ritmo atual, pode bater US$ 20 bilhões no acumulado de 2024.”
Outra fonte de saída de dólares do Brasil foi a conta financeira, que engloba tanto o dinheiro retirado da bolsa brasileira e da renda fixa, quanto recursos relativos a pagamento de streaming e apostas esportivas de plataformas on-line, as chamadas “bets”. “Essas rubricas estão em uma trajetória de crescimento e ajudam a deixar o fluxo positivo de dólar mais estreito”, de acordo com Damico. “Em relação a retirada de recursos da bolsa pelo estrangeiro, eu faria uma observação adicional: não é só o estrangeiro que tirou dinheiro daqui, mas também o local. De janeiro a maio, a retirada de dinheiro pelo brasileiro alcançou US$ 10,6 bilhões.”
Sobre a entrada de capital pela exportação, ainda que pareça contraditório, o ingresso robusto pode estar justamente relacionado à depreciação intensa e prolongada sofrida pelo real. Isso porque, diante de um dólar em nível mais elevado, o exportador enxerga uma janela para ampliar seus ganhos ao internalizar capital no país.
Dados da Buysidebrazil apontam que o montante deixado pelo exportador no exterior caiu no primeiro semestre deste ano, se comparado ao ano anterior. De janeiro a junho de 2023 a diferença entre o câmbio embarcado e o contratado era de US$ 20 bilhões, enquanto no mesmo período deste ano essa diferença ficou em US$ 9 bilhões.
“Mas é preciso olhar para esses números com alguma cautela”, diz Damico. “Até porque recentemente o BC mostrou que esse dinheiro deixado no exterior é utilizado para o pagamento de compromissos lá fora, e que é difícil imaginar que em algum momento ocorra uma internalização forte disso, que venha fortalecer o câmbio.”
Confira a seguir um histórico das exportações brasileiras de contêineres nos cinco primeiros meses de 2024 e seu comparativo com iguais meses dos três anos anteriores. Os dados são do DataLiner, plataforma inteligência de mercado da Datamar:
Exportações Brasileiras via Contêineres | Jan-Maio 2021 – Jan-Maio 2024 | TEUs
Fonte: DataLiner (clique aqui para solicitar uma demonstração)
No Relatório de Inflação de junho, o BC, ao comentar o hiato de câmbio (diferença entre o câmbio embarcado e o contratado), indicou que os recursos deixados no exterior estariam sendo usados para pagar obrigações em moeda estrangeira, como importações, serviços, amortizações de dívidas no exterior, distribuição de lucros e dividendos ou pagamento de juros. Assim, a autoridade afirmou que o comportamento recente desse diferencial “não sugere que os exportadores tenham acumulado no exterior montante tão significativo de recursos que seria potencialmente internalizado no futuro”.
“Por essa interpretação, podemos até pensar que esse colchão deixado no exterior, que perdeu gordura neste primeiro semestre do ano, pode voltar a crescer, o que limitaria ainda mais a entrada de dólares pelo exportador no próximo semestre”, diz Damico.
Vale notar, porém, que o aumento dos prêmios de risco nos ativos domésticos teve peso relevante na depreciação da taxa de câmbio na primeira metade do ano. “Esse movimento recente de desvalorização do câmbio foi resultado em boa parte do aumento da percepção de risco de inflação desancorada e da condução da política fiscal”, diz Bruno Martins, economista sênior do BTG Pactual.
“Quando cresce o risco, o investidor acaba exigindo um retorno maior para estar exposto ao país e à sua moeda. Exigir um retorno maior significa comprar essa moeda por um valor mais barato, então o câmbio acaba desvalorizando”, observa Martins. Ele diz, ainda, que ter uma balança comercial forte e favorável pode ter ajudado a conter a elevação do prêmio de risco. “Mas só isso não é suficiente”, diz.
A visão do BTG Pactual, de acordo com Martins, é a de que, caso o governo consiga convencer os investidores que irá respeitar o limite proposto pelo arcabouço fiscal, haverá uma descompressão no prêmio de risco, e o real deve se valorizar. “Se observarmos as últimas duas semanas, bastou uma promessa e um discurso mais preocupado com o tamanho do ajuste, para que se reduzisse bastante o risco. Mas ainda é pouco, vai precisar de algo mais concreto.”
E é justamente a descompressão do prêmio de risco que pode dar alento ao câmbio neste segundo semestre, explica o economista do BTG, já que o fluxo comercial tende a ser menos favorável e o financeiro mais desfavorável. “A meu ver, esse é o ‘call’. Não vai ser o fluxo o principal fator para a valorização do real, mas a retirada de prêmio.”
Damico, da Buysidebrazil, diz que já há sinalizações de que o câmbio contratado comercial está em um momento de desaceleração. Ela avalia, ainda, que dificilmente a conta financeira irá reverter o desempenho negativo no segundo semestre. “A balança comercial já é sazonalmente mais modesta no segundo semestre por conta da exportação, só que agora há toda a dinâmica de aumento de importação”, afirma. “Por isso, a conta comercial não vai conseguir salvar desta vez e resolver todos os nossos problemas de saída da conta financeira”, diz. A Buysidebrazil projeta o dólar a R$ 5,40 no fim do ano.
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