Grupo varejista francês amplia boicote à venda de carne brasileira
nov, 22, 2024 Postado porSylvia SchandertSemana202444
Cresceu a pressão de redes varejistas francesas no boicote à carne brasileira e de países do Mercosul. O movimento, que começou com o Carrefour na quarta-feira, ganhou nesta quinta, 21, a adesão do grupo Les Mousquetaires, dono de duas grandes redes de varejo. O boicote é mais um capítulo da pressão francesa contra o acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul, cada vez mais distante de ser consolidado diante da resistência da França. Além da oposição do governo do presidente Emmanuel Macron, produtores agrícolas do país têm realizado seguidos protestos contra a implementação do acordo.
Especialistas ouvidos pelo Valor indicam que o acordo não terá êxito. Ou não será fechado ou, caso seja, ficará bastante esvaziado. A diplomacia brasileira afirma que o acordo está perto de ser concluído agora em dezembro, mas a aprovação depende do aval unânime de todos os parlamentos da UE. Ainda que a Comissão Europeia o aprove sem a concordância francesa, não será possível aplicar as cláusulas econômicas, que é justamente o que dá sentido ao acordo.
Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), não acredita que o acordo vai sair do papel. Ele considera que a manifestação do Carrefour é parte do processo. “Sabemos que a maior contraposição para o acordo, pelo menos declarada, é a do agro europeu, mais especificamente do agro francês. E isso é mais um tiro dessa guerra”, afirma o economista. “Mas não acho que o acordo vai sair. Me parece que ele foi desenhado para uma realidade que não é mais a do mundo de hoje, da Europa e do Brasil.Vamos chegar aos 49 minutos do segundo tempo e você vai precisar de uma renegociação com extensão de prazo. A manifestação do Carrefour é mais um reflexo disso.”
O acordo, avalia Ribeiro, não foi desenhado para o mundo atual, com toda a estrutura de tributação e de guerra comercial, de aumento de protecionismo. Para ele, é preciso reconhecer que “as condições de contorno mudaram”.
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior (AEB), diz que a entidade é a favor do acordo, mas acredita que houve mudança intensa nas relações comerciais nos últimos anos e a incerteza pode ser intensificada pela política prometida pelo presidente eleito dos EUA, Donald Trump. Para Castro, o cenário tem atualmente mais fatores negativos que positivos para a assinatura do acordo Mercosul-UE.
Para Lia Valls, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os receios em relação ao governo Trump podem atuar de outra forma. A favor da assinatura do acordo está a busca dos europeus por fortalecimento da multipolaridade frente a Trump e a China, que vem ganhando espaço nos mercados sul-americanos. Mas a França, observa, é voz importante dentro da União Europeia e não está sozinha.
“A agricultura é uma força muito grande no eleitorado francês e Macron tem sofrido com o grau de aprovação de seu mandato pelos franceses”, comenta Valls. “A assinatura do acordo vai depender basicamente de outros países que estão na Europa, de até que ponto querem comprar essa briga ou não com a França. E depende muito mais de avaliação política da importância desse acordo no momento atual.”
Eduardo Menicucci, professor da Fundação Dom Cabral, acredita que a tendência é que os países optem menos por tratados em blocos e mais por acordos bilaterais, o que pode ser “mais eficaz”.
Para Welber Barral, sócio da BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior, a manifestação do Carrefour tem duas análises para serem feitas. “A primeira é que o Carrefour da França está jogando para seus fornecedores e consumidores locais. É uma ação publicitária para eles. O segundo ponto é que há risco concreto que já existe em vários outros produtos, que é a ideia de criar padrões privados. E isso acaba burocratizando a exportação brasileira para esse tipo de cliente.” Como padrões privados, explica Barral, pode haver exigência de redes varejistas francesas para que o exportador brasileiro de carne tenha um selo que diga que ele cuida de questões sanitárias, de questões sociais, do meio ambiente, da emissão de carbono, por exemplo. Para Barral, a medida do Carrefour é “parte do jogo” na negociação do acordo.
Histórico
Na quarta, 20, o presidente global do Carrefour, Alexandre Bompard, declarou que a rede de supermercados decidiu excluir as carnes de países do Mercosul de seu portfólio de produtos na França. Nesta quinta-feira, a mídia europeia publicou que o grupo Les Mousquetaires, dono das redes Intermarché e Netto, aderiu ao boicote.
Desde a semana passada, fazendeiros em seus tratores têm bloqueado estradas de acesso ao porto de Bordeaux, que liga a cidade ao Atlântico pelo rio Garonne, disse à Reuters Jose Perez, representante do sindicato trabalhista Coordination Rurale. Para muitos produtores franceses, o porto, que também inclui um terminal de grãos, representa a entrada de produtos com concorrência desleal, por não estarem sujeitos à mesma regulamentação interna. Segundo a rádio RMC, pelo menos 85 pontos de manifestação foram contabilizados na França, na segunda.
Na segunda-feira, 18, o EuroCommerce, que faz lobby para supermercados europeus, afirmou em comunicado ser parte de 78 federações profissionais que assinam um apelo para “acelerar a conclusão das negociações do acordo de livre-comércio UE-Mercosul”, argumentando que este poderia “contribuir para mitigar os desafios impostos pela instabilidade geopolítica e pelas perturbações na cadeia de suprimentos”.
A Federação de Associações Rurais do Mercosul (FARM), que reúne entidades de produtores de países como Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile, Colômbia e Bolívia, divulgou nota em que classifica a decisão do Carrefour como “arbitrária, protecionista e equivocada”, afirmando que ela prejudica os países do Mercosul e desconsidera os altos padrões de sustentabilidade e qualidade da produção da região.
Fonte: Valor Econômico
Clique aqui para ler o texto original: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/11/22/grupo-varejista-frances-amplia-boicote-a-venda-de-carne-brasileira.ghtml
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