Megaporto peruano deve redesenhar tráfego marítimo da região
out, 30, 2023 Postado porSylvia SchandertSemana202341
A outrora modorrenta cidade pesqueira de Chancay, 80 quilômetros ao norte de Lima, era mais conhecida como refúgio de fim de semana dos habitantes da capital. Mas hoje o trecho em frente à praia é um canteiro de obras de crescimento tentacular, com guindastes içando colunas enquanto caminhões basculantes rugem logo abaixo.
A cidade está em vias de abrigar um dos maiores portos de águas profundas da América Latina. A construção e a operação serão totalmente realizadas por empresas privadas — coisa que, segundo autoridades, poderá vir a constituir um modelo para outras obras de infraestrutura no Peru. O projeto é tão colossal que tem o potencial de subverter o tráfego marítimo em toda a costa do Pacífico da América do Sul, deslocando-o do Chile, Equador e Colômbia. Em sua fase inicial, o porto deverá manipular 1 milhão de contêineres e 6 milhões de toneladas de carga solta ao ano.
A Cosco Shipping, estatal chinesa de transporte marítimo e logística, tem uma participação de 60% no porto, com o restante sendo controlado pela mineradora peruana Volcán. Do custo de construção de US$ 3,6 bilhão, US$ 1,3 bilhão já foi investido na fase inicial, segundo a Cosco.
“A intenção do porto é empurrar os países sul-americanos para o Peru como ponto central [para o comércio voltado para a Ásia], aproveitando-se da nossa localização estratégica”, diz Gonzálo Ríos Polastri, vice-diretor-geral da Cosco Shipping Ports Chancay Peru e almirante da reserva. “Será uma locomotiva de desenvolvimento para vários setores.”
O porto ocupará um terreno de 280 hectares. Só os quebra-mares usaram volume de concreto suficiente para construir 20 prédios de 10 andares e vão proteger 1,5 quilômetro de espaço de docas capaz de comportar a ancoragem de alguns dos maiores navios de carga do mundo.
Um túnel de 1,8 quilômetro cavado embaixo de Chancay – em alguns pontos a uma profundidade de 900 metros – ligará o quebra-mar a um centro de logística e à via expressa pan-americana sem afetar o tráfego na cidade.
A carga conseguirá chegar do Peru à China em 10 dias, em vez dos 45 atuais. E prevê-se que o Brasil também será um beneficiário do porto, que possibilitará um acesso mais rápido aos mercados asiáticos aos produtos exportados pelo país. O Brasil e o Peru são ligados pela Rodovia Interoceânica Sul que passa pelos polos agrícolas brasileiros de Acre e Rondônia.
“Há toda uma área do Brasil muito mais voltada para o Pacífico do que para o Atlântico”, diz Ríos Polastri. “Chancay tem muitas vantagens do ponto de vista do Peru, e uma delas é que é o porto mais próximo ao Brasil. Esse é um incentivo a mais para o comércio exterior.”
A inauguração do megaporto está prevista para o fim do ano que vem, quando o presidente da China, Xi Jinping, participará da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec, nas iniciais em inglês), a realizar-se no Peru. Cosco diz que o porto acabará se expandindo. “O projeto principal é ele ter 15 quebra-mares, embora não haja cronograma, pelo fato de termos de ver como o porto vai operar nos primeiros anos”, explica Ríos Polastri.
Mas, apesar das vantagens comerciais que, segundo autoridades, o porto proporcionará ao Peru, alguns observadores – entre os quais autoridades americanas – manifestaram preocupação de que ele poderá aumentar a influência chinesa sobre a infraestrutura do país.
Mario de las Casas, diretor de comunicação social da Cosco Shipping Ports Chancay Peru, diz que a legislação peruana proíbe o uso do porto para fins militares sem aprovação prévia do Executivo ou do Congresso. “Sem essa pré-aprovação, qualquer ingresso desse gênero será equivalente a uma invasão, independentemente da propriedade do terminal”, observa.
Algumas pessoas da população local criticaram o caos causado pela construção, também, embora os eleitores tenham eleito em janeiro, por esmagadora maioria, um prefeito abertamente favorável ao projeto. “Acho que esse é um bom barômetro para situar a população em termos de aceitação do porto”, sugere Ríos Polastri.
O governo peruano diz que o porto impulsionará a economia local, e as incorporadoras locais estão esperançosas. Ao longo da rodovia que leva a Chancay, outdoors divulgam a venda de projetos imobiliários ainda não construídos. “Há, na área, seis fábricas de farinha de peixe e uma frota de cerca de 70 barcos de pesca industrial que são a maior fonte de trabalho em Chancay”, diz Raúl Pérez-Reyes, o ministro dos Transportes do Peru. “O projeto dá margem à possibilidade de fazer remessas diretas ao exterior.”
Pérez-Reyes acrescenta que, embora o porto será operado por empresas privadas, o governo vai monitorar seu cumprimento da regulamentação de segurança e ambiental. Postos de polícia e alfandegário serão construídos no local.
“O governo encara o desenvolvimento de portos em nível nacional de uma maneira abrangente, com um esforço de fornecer acesso rodoviário ou ferroviário, bem como a infraestrutura logística”, diz o ministro. “Esses tipos de investimento permitem que os portos operem com mais eficiência.”
O Congresso estuda um projeto de lei que, se aprovado, dará margem a operações de cabotagem – para o transporte de carga entre portos peruanos antes de chegar à terra —, a fim de reduzir o tráfego em torno do porto.
Ríos Polastri diz que Chancay poderá abrir o caminho para projetos de infraestrutura privados semelhantes no Peru, o que facilitará o avanço ao contornar atritos entre os setores púbico e privado. A constituição descentralizada do país determina que os projetos de infraestrutura provinciais sejam contratados e administrados pelo governo municipal.
Fonte: Valor Econômico
Para ler a reportagem original, acesse: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/10/28/ft-megaporto-peruano-deve-redesenhar-trfego-martimo-da-regio.ghtml
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