Mesmo com cotação em baixa, petróleo tem seu maior superávit
set, 22, 2023 Postado porGabriel MalheirosSemana202338
Ainda que a perspectiva de mais longo prazo seja de maior ajuste nas atuais cotações de petróleo e o movimento global de transição energética seja considerado, especialistas apontam que a commodity deve continuar importante na exportação brasileira, puxada principalmente por volumes, em quadro alinhado ao esperado aumento de produção até o fim desta década. A incerteza está no mapa de destinos do petróleo brasileiro.
O aumento do volume de exportação já marca os embarques do setor de petróleo. Os dados do Icomex mostram que de janeiro a agosto deste ano os preços médios de exportação de petróleo e derivados caíram 25% contra iguais meses do ano passado enquanto os volumes cresceram 25,4%. Considerando somente o embarque de petróleo bruto, houve alta de 30% do volume em agosto e queda de preço médio de exportação de 23,8%, contra igual mês de 2022.
“Hoje o Brasil tem uma produção maior do que muitos países da Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]. E, em espaço curto de tempo, se tornou exportador relevante no mercado internacional”, diz Helder Queiroz, professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O petróleo bruto é o segundo produto mais exportado pelo Brasil, responsável por 11% da receita de embarques de janeiro a agosto, atrás somente da soja, com 19%, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic). Em 2022 foram embarcados US$ 42,6 bilhões em petróleo bruto, o equivalente a 13% do total das exportações brasileiras, fatia apenas um ponto percentual atrás da soja.
O resultado da balança comercial de petróleo e derivados, porém, depende também das importações, principalmente de derivados, das quais o Brasil é dependente, em razão da capacidade limitada de refino. “Graças, entre outras coisas, ao pré-sal, o Brasil alcançou a autossuficiência de petróleo já há mais de dez anos, mas, para os derivados, isso não chegou e não chegará”, diz Queiroz.
Os dados do Icomex mostram que a balança de petróleo e derivados é superavitária desde 2016 e neste ano o saldo positivo cresceu em relação a 2022 porque o valor de importação recuou mais que o da exportação. A receita de exportação de petróleo e derivados somou US$ 33,6 bilhões de janeiro a agosto, 7,4% menos que iguais meses de 2022. A importação do mesmo grupo de produtos totalizou US$ 19,8 bilhões, 23,6% a menos que em 2022. A importação de petróleo e derivados caiu 18,1% em preço médio e em 6,6% em volume, sempre na mesma comparação.
Dentro dos derivados, Queiroz exemplifica com diesel. O Brasil produz cerca de 75% da demanda desse combustível e importa o resto, diz. “Para ser autossuficiente, teria de construir mais duas ou três refinarias, o que não está no horizonte. Não dá para fazer uma refinaria para tirar mil barris, tem uma escala mínima, pra mais de 250 mil barris. Uma refinaria com esse porte gira em torno de US$ 7 bilhões a US$ 8 bilhões.”
Além disso o mundo caminha para diminuir, e não aumentar, diz Queiroz, o consumo de combustíveis fósseis. “Não é razoável imaginar que, daqui 50 anos, teremos a mesma demanda de hoje. Com a limitação da capacidade de refino, o esperado aumento de produção de petróleo deve ter boa parte direcionada à exportação, diz Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Ibre.
Walter De Vitto, economista da Tendências, diz que a perspectiva atual é de quadro de capacidade brasileira de refino sem alterações significativas ao menos nos próximos quatro anos. Entre investimentos já anunciados e que podem mudar o cenário depois disso, ele cita a ampliação e modernização da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, prevista pela Petrobras em seu Plano Estratégico 2023-2027.
As estimativas atuais da consultoria, diz De Vitto, mostram que o saldo deve ter leve recuo de 1,2% em 2023 ante 2022, andar de lado até 2025 e voltar a crescer de 2026 a 2030, favorecido por expansão da produção. Após 2031, a expansão da produção doméstica de petróleo se desacelera, mas a demanda por derivados segue crescendo, o que geraria reduções do saldo da conta de petróleo e derivados. As projeções, explica De Vitto, consideraram premissas para investimentos em exploração e produção, contas públicas, balança comercial e capacidade de refino.
Lia Valls, pesquisadora do Ibre e coordenadora do Icomex, ressalta que a exportação de petróleo e derivados passou por muitas oscilações de preços, mas os volumes vêm crescendo de forma consistente. Pelo Icomex, no ano passado o preço médio de embarque do petróleo estava 63,5% acima do praticado em 2007, 15 anos antes. Já o volume embarcado subiu 117,2% em igual período.
Para Ribeiro, ao menos o aumento de produção esperado até o fim da década deverá encontrar oportunidade de exportação, mesmo com maior uso de fontes alternativas. “Quando entrou a era do petróleo, o uso do carvão não acabou imediatamente.” De Vitto tem análise parecida. “O atendimento à demanda por energia não muda do dia para a noite. As fontes continuarão se complementando com delta cada vez maior para as energias alternativas.”
O Brasil entra como maior ofertante, diz Ribeiro, em momento de reorganização da demanda. Além da transição energética, diz, o mapa de destinos do petróleo brasileiro ainda deve ser redesenhado em meio à reestruturação do mercado com a guerra entre Rússia e Ucrânia. Cabe, diz, traçar estratégias olhando essas mudanças.
A China é o principal destino dos embarques brasileiros de petróleo, com fatia de 38,8% em 2022. Embora tenha mantido sua posição de principal comprador, a parcela chinesa caiu bastante em relação aos 64% em 2019. Parte disso é creditada ao deslocamento do petróleo brasileiro pelo fornecimento russo, que, sob sanções dos europeus após a eclosão da guerra, foi à procura de novos mercados e reforçou suas vendas aos chineses.
Com a guerra, mudou o jogo do mercado de petróleo, diz De Vitto. “Criou-se uma relação entre Rússia e China que ganhou impulso e deve permanecer, com complementaridade de interesses.” Ele lembra que isso vem dentro de um contexto anterior, de conflito já mais evidente entre China e Estados Unidos desde 2018, na disputa por hegemonia geopolítica global.
“A China continua como destino de destaque para o Brasil, mas outros países têm emergido na América Latina e um pouco na Europa. Isso representa desvio de comércio derivado da reparametrização do mercado”, diz Ribeiro. “Mas não se sabe, diz, se o Brasil de fato está entrando em novos mercados e vai mantê-los ou se é algo pontual em razão da guerra. As placas tectônicas do mercado de petróleo estão se movimentando. O que se sabe é que não voltaremos aos níveis de equilíbrio anteriores à guerra.”
Dados do governo mostram que, após a China, os EUA foram o maior comprador externo de petróleo brasileiro em 2022, seguidos da Espanha, Chile e Portugal. Com exceção dos americanos, os demais países aumentaram a fatia na exportação brasileira de petróleo de 2019, período pré-pandemia, para o ano passado. A fatia espanhola cresceu de 3,4% para 8,4% nesse intervalo. Chile e Portugal avançaram de 5% para 7,4% e de 1,1% para 5,9%, respectivamente.
De Vitto ressalta que entre as regiões que demandam muita energia e produzem pouco, destacam-se China, países do extremo oriente e Europa. “Há também uma gama de países que podem demandar, embora com demandas menores. A guerra também trouxe de volta ao radar a preocupação coma estratégia de diversificar o fornecimento de energia.”
Em 2007, segundo dados do governo, o petróleo brasileiro foi embarcado a 17 países e era principal produto que o Brasil exportava para seis deles: Chile, Estados Unidos, Santa Lúcia, Portugal, Peru e Aruba. No ano passado subiram a 11 os países dessa lista, com a saída de Santa Lúcia e Aruba e a entrada de Holanda, Uruguai, Coreia do Sul, Espanha, Bonaire, Jamaica e Israel. Foram ao todo 25 destinos. No ano passado, o Brasil foi o primeiro fornecedor externo de petróleo para o Chile e para Portugal, com 73,2% e 36,7% das compras externas do óleo bruto nos respectivos países.
Entre os embarques brasileiros para a América do Sul em 2022, o petróleo foi o principal produto exportado para a América do Sul, com fatia de 9,3%, seguido por 8,4% dos automóveis, historicamente o líder no ranking. Para Ribeiro, a permanência desse quadro também é difícil de se avaliar.
Um fator importante, destaca, é a produção de Vaca Muerta, megacampo de petróleo e gás na Argentino. A região é uma grande área com óleo não convencional, o “shale gas”, e pode ter grande potencial de abastecimento a países sul-americanos. Uma incerteza, diz Ribeiro, são os investimentos necessários para exploração e comercialização do óleo do campo em meio à grave crise argentina.
O Brasil, diz Ribeiro, tem no momento uma previsão concreta de elevação da oferta de energia num momento peculiar e favorável. “É preciso aproveitar. O fato de ter maná caindo do céu não significa que vamos usar direito.”
Para ele, políticas que permitam que o “ maná” beneficie toda a população também precisa ser estabelecida, já que a exploração da commodity gera atividade mais concentrada. Os dados de comércio exterior refletem parte disso. Mesmo sendo o segundo item mais importante das vendas externas brasileiras, o petróleo foi exportado por apenas 12 municípios em 2022, considerando valor mínimo de US$ 10 mil ao ano.
Fonte: Valor Econômico
Para ler a matéria original, acesse: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/09/22/mesmo-com-cotacao-em-baixa-petroleo-tem-seu-maior-superavit.ghtml
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