Por que o Brasil cultiva tanta soja e come tão pouco?
out, 14, 2024 Postado porSylvia SchandertSemana202441
O centro gastronômico do Brasil, São Paulo, pode ser mais conhecido por seus cortes de carne grelhada e sushis luxuosos, mas alguns restaurantes sofisticados estão apresentando um novo ingrediente estrela: a soja.
O país agrícola é o maior produtor de soja do mundo, enviando, em média, mais de um milhão de toneladas por semana para a China.
Mas, ao contrário da Ásia e de outros mercados onde a soja é sinônimo de proteína barata do dia a dia, os brasileiros consomem tão pouco que ela se tornou uma oferta cara e de nicho.
Em suas cuidadosamente curadas redes sociais, chefs de alta gastronomia preparam cubos de tofu decorados com flores comestíveis e edamame sobre arroz grudento envolto em cenouras finamente fatiadas.
Nos supermercados de São Paulo, brasileiros que ganham o salário mínimo precisariam desembolsar um dia inteiro de trabalho apenas para comprar 250 gramas de tofu.
“É um luxo”, disse Lucinete Magalhaes, após pedir um prato de tofu em um restaurante no sofisticado bairro dos Jardins. “No Brasil, estamos acostumados a comer arroz com feijão todos os dias – mas não vemos os grãos de soja da mesma forma.”
Bolivianos, nigerianos e russos consomem, em média, mais soja do que os brasileiros, de acordo com a consultoria agrícola Agromeris. A pesquisa revelou que o Brasil é o único grande mercado de alimentos feitos com soja em declínio.
Jacob Golbitz, que liderou o estudo há alguns anos, disse que tudo se resume à cultura. “Se a cultura mudar, será em um ritmo glacial”, afirmou.
A produção em massa de soja começou apenas na década de 1970 no Brasil, após novas descobertas científicas abrirem caminho para o cultivo dessa cultura no vasto e esparsamente povoado interior do país.
Fora da diáspora asiática, os brasileiros que colocam feijão marrom e preto em seu arroz todos os dias ainda olham com desconfiança para os grãos verdes exóticos – quase todos os quais são cultivados para serem exportados para a Ásia e Europa, para engordar gado, porcos, aves e peixes.
O Brasil deve produzir um recorde de 170 milhões de toneladas métricas de soja em sua próxima colheita, em comparação com 125 milhões de toneladas métricas cultivadas nos Estados Unidos, que o Brasil superou em 2020.
O boom veio acompanhado de custos ambientais. Durante décadas, a expansão da fronteira da soja no Brasil contribuiu para o desmatamento na floresta amazônica e no cerrado.
O gráfico abaixo usa dados derivados do DataLiner para comparar o volume de exportação de soja de cada mês nos portos marítimos brasileiros no período que compreende os primeiros oito meses do ano entre 2021 e 2024.
Exportações de soja do Brasil | Jan 2021-Ago 2024 | WTMT
Fonte: DataLiner (clique aqui para solicitar uma demonstração)
SABORES ELITIZADOS
“Experimentamos muito com tofu, para brincar com contrastes, para dar sabor e textura”, disse Maria Cermelli, proprietária do restaurante Sushimar nos Jardins, um bairro de classe alta onde os locais passeiam com cachorros em suéteres de tricô personalizados passando por boutiques de moda. “Ainda é uma novidade, mas está se tornando mais popular.”
As posições contrastantes da soja no Brasil ilustram uma crescente divisão entre as cadeias globais de suprimentos para commodities macias produzidas em massa e o cultivo de produtos de nicho, como milho mexicano heirloom e batatas peruanas, para paladares elitizados.
Cerca de 98% da soja brasileira é de organismos geneticamente modificados (OGM) para suportar o uso intenso de herbicidas em plantações em escala industrial, o que acrescentou um estigma no mercado local.
Assim, empresas de alimentos que oferecem tofu e leite de soja para brasileiros exigentes dependem do caro cultivo paralelo de soja orgânica e não OGM – ou de produtos importados de lugares tão distantes quanto o Japão – e os preços são altos.
“É absurdo que o Brasil importe soja”, disse Alexandre Lima Nepomuceno, da Embrapa, uma divisão de pesquisa do Ministério da Agricultura que abriu a fronteira da soja no país há cinco décadas.
“A controvérsia em torno dos OGM criou uma situação em que cada país fez sua legislação, muitas vezes altamente complexa e confusa, que aumenta os custos e torna isso um negócio impossível.”
A legislação brasileira não proíbe o consumo humano de soja OGM. No entanto, as empresas vão a grandes distâncias e pagam um alto prêmio para obter soja tradicional, que para muitos se tornou sinônimo de ingredientes orgânicos e saudáveis.
No negócio de agricultura comercial de alto volume e baixa margem, é raro encontrar produtores brasileiros apostando no segmento não OGM.
“Criar uma demanda relevante por soja não OGM não é fácil”, disse Gus Guadagnini, CEO do Brasil no Good Food Institute, um think tank que estuda o desenvolvimento de alternativas à carne.
Onde as empresas brasileiras abraçaram a produção de soja tradicional, isso muitas vezes requer grandes investimentos.
A Caramuru, o maior processador de oleaginosas no estado de Mato Grosso, no coração agrícola do Brasil, chegou a construir uma planta separada para soja não OGM.
Marcos de Melo, gerente de insumos agrícolas da empresa, disse que a produção paralela era necessária porque a tolerância à “contaminação” de soja OGM é inferior a 0,1%.
No entanto, os brasileiros não provarão o produto final que sai dessa linha dedicada da Caramuru. O farelo de soja não OGM da empresa é destinado à exportação para a Europa para ser usado na alimentação animal.
Fonte: Reuters
Clique aqui para ler o texto original: https://www.reuters.com/markets/commodities/despite-massive-production-soy-remains-niche-food-brazil-2024-10-14/
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