UE-Mercosul dá empurrão à exportação de frutas, que bate recorde, mas ainda é 2% da produção
dez, 18, 2024 Postado porSylvia SchandertSemana202448
A conclusão das negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE) no início do mês e a abertura de novos mercados prometem um novo impulso à exportação de frutas do Brasil, que já vão muito bem.
Bateram recorde no ano passado, com US$ 1,2 bilhão em vendas lá fora. Desde 2023, já foram firmados acordos para abrir sete novos mercados para a fruticultura brasileira, e outros 12 estão em negociação, segundo a Abrafrutas, associação dos produtores nacionais.
Os avanços do setor vêm na esteira da revolução provocada pela combinação de tecnologia e condições naturais que permitem a produção irrigada durante todo o ano, independentemente da estação, no semiárido do Nordeste.
Enquanto isso, a Região Sul segue forte na maçã, e São Paulo e Minas, no limão e na laranja — a última é de longe a fruta mais produzida no país e tem um mercado à parte, que passa pelo beneficiamento como suco, e enfrenta agora uma quebra de safra por causa da seca de meados deste ano.
Entre as frutas frescas, manga, melão e uva foram os maiores sucessos do Brasil lá fora em 2023, mas neste ano os diferentes tipos de limão também vêm se destacando. Apesar do sucesso, a exportação de frutas ainda responde por uma parcela ínfima da produção nacional.
Com cerca de 43 milhões de toneladas de frutas colhidas em 2023, o Brasil é o terceiro maior produtor do mundo, atrás de China e Índia, mas mandou para fora somente cerca de 1 milhão de toneladas, 2,3% do total. Para produtores e especialistas, é um sinal do que ainda pode vir da demanda externa.
— Estamos numa estufa a céu aberto. Temos clima, gente, terra e portos. Temos uma condição única de produção no Nordeste, que pode ser multiplicada muitas vezes — diz Carlo Porro, CEO da Agrícola Famosa.
A empresa é a maior produtora e exportadora do país, especialmente de melões, e se internacionalizou em 2021. Vendeu uma participação minoritária para a gigante espanhola Citri&Co. Neste ano, comprou a também espanhola El Abuelo de los Melones, ampliando ainda mais sua presença no exterior.
Aqui está um gráfico mostrando os principais países importadores de frutas na Europa. Essas informações poderosas foram derivadas do DataLiner, levando em conta as remessas de frutas em contêineres de janeiro a outubro de 2024.
Exportações de Frutas por Destino | 2024 | TEUs
Fonte: DataLiner (clique aqui para solicitar uma demonstração)
Transformação no campo
Porro começou no ramo como comerciante, comprando frutas no atacado em São Paulo e embarcando para a Itália. Virou produtor há mais de 30 anos, desde que assumiu uma fazenda de melões na divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte, com 22 hectares e “irrigação rudimentar”, em troca da dívida de um produtor que perdeu tudo numa chuva.
Em 1995, criou a Famosa, que hoje tem 30 mil hectares de fazendas na região e 6 mil empregados, e 70% da produção de melão são exportados. O fruticultor acompanhou a “transformação” do setor no país.
No semiárido, esse processo começou na década de 1970, com a infraestrutura de irrigação, conta o consultor Júnior Silveira, especialista no mercado de frutas. Houve investimentos públicos na região, cujos polos são Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), separadas pelo Rio São Francisco, mas também houve projetos privados voltados para poços artesianos.
Mais tarde, entre as décadas de 1980 e 1990, a tecnologia se espalhou para as técnicas de manejo, observa a pesquisadora Maria Auxiliadora Coêlho de Lima, chefe-geral da Embrapa Semiárido. Vai do controle sobre a quantidade de água despejada nas plantas pela irrigação até o uso de fertilizantes e nutrientes, na “fertirrigação”, e resulta na modificação dos próprios ciclos naturais.
— No caso da manga, usamos a “indução floral”. Em vez de a fruta ter seu florescimento e frutificação espontâneos, em suas respectivas estações, conseguimos fazer com que a planta encerre o ciclo. E também induzir a floração fora do período espontâneo — explica Maria Auxiliadora.
Com isso, numa mesma plantação, é possível colher mangas toda semana. As videiras têm duas ou duas safras e meia por ano, diferentemente de tradicionais zonas produtoras, do Rio Grande do Sul ao Chile, da Califórnia à Europa.
Entre as décadas de 1990 e 2000, a Embrapa começou a investir na tecnologia de seleção genética para dar mais variedades aos produtores e atender demandas dos consumidores, como uvas sem caroço, substituindo as mudas desenvolvidas por multinacionais estrangeiras.
O sucesso viria em 2011, com a BRS Vitória, a uva vermelha sem caroço que caiu no gosto do consumidor e ainda é de baixo custo e de alta produtividade para os produtores. A mais recente variedade é a BRS Melodia, conta Maria Auxiliadora, que tem sabor de “frutas vermelhas”. Agora, a Embrapa está prestes a lançar sua primeira variedade de manga, informa a pesquisadora.
Variedades ‘abertas’
Em 2017, quando criou a Lina Frutas e começou a produzir uvas na fazenda comprada por seu pai no Vale do São Francisco, Priscilla Nasrallah partiu de duas variedades “abertas” (que são livres dos royalties cobrados pelas multinacionais de sementes) da Embrapa. Depois, foi introduzindo outras opções, patenteadas, que inclusive garantem vendas para o mercado externo.
Hoje, ela gere 100 hectares plantados — um terço com uvas e o restante com mangas — e exporta em torno de 60% da produção. Para a agricultora, o mercado externo é o “caminho natural” e motor do crescimento da produção, que, na sua opinião, poderia ser multiplicada por quatro:
— Nosso foco maior é a exportação [de frutas], a não ser quando não tem “janela” (como o setor chama os períodos nos quais a produção de cada país tem condições mais favoráveis de preço e oferta para atender os principais mercados) aberta ou quando o mercado interno está pagando muito bem.
Novo grande mercado
Segundo o presidente da Abrafrutas, Guilherme Coelho, o crescimento da exportação passa pela abertura de mercados com acordos ou tratados firmados pelo governo com outros países, o que inclui regras sanitárias. Um dos resultados da visita do presidente da China, Xi Jinping, a Brasília, no mês passado, foi a assinatura de acordos para liberar a entrada de uva fresca brasileira na segunda maior economia do mundo.
A China produz uvas, mas a demanda do país, que tem 1,4 bilhão de habitantes, parece infinita. E os produtores brasileiros apostam que as variedades brasileiras podem cair no gosto dos chineses. Após a oficialização do acordo, começará o trabalho de prospectar importadores, entender os hábitos de consumo locais, mandar as primeiras remessas como teste.
Em outra frente, tratados de livre comércio, como o acordo entre Mercosul e UE, influenciam menos no acesso aos mercados, mas podem ampliar a demanda porque os produtos ficarão mais baratos ao consumidor final, graças à redução de tarifas de importação.
As frutas exportadas pelo Brasil terão tarifa zero na Europa, após uma redução gradual, conforme um cronograma para cada item. As uvas, que pagam imposto de 8% a 14%, ficarão livres de tarifas já no primeiro ano.
Mesmo assim, o consultor Júnior Silveira vê o mercado asiático como a nova fronteira do setor, com destaque para a China, que “tem uma classe média de 350 milhões de pessoas”, já que o mercado europeu é mais disputado.
Uma dificuldade atual da fruticultura no país é a escassez de mão de obra, disseram todos os produtores e especialistas ouvidos pela reportagem. A elevada geração de empregos é uma característica positiva da produção de frutas, na comparação com commodities agrícolas com processos mecanizados, como soja, milho ou algodão.
As frutas são mais delicadas e requerem manuseio na colheita e na embalagem, mesmo com emprego de maquinário.
Segundo João Ricardo Ferreira de Lima, pesquisador da área de socioeconomia da Embrapa Semiárido, para cada hectare plantado de uva, são gerados três empregos. Na manga, é uma vaga para cada três hectares.
Fonte: O Globo
Clique aqui para ler o texto original: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2024/12/18/ue-mercosul-da-empurrao-a-exportacao-de-frutas-que-bate-recorde-mas-ainda-e-2percent-da-producao.ghtml
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