Megaporto de Chancay promete acelerar comércio entre a China e a América do Sul
jun, 19, 2024 Postado porSylvia SchandertSemana202425
Nesta tranquila cidade na costa do Pacífico na América do Sul, a China está construindo um megaporto que poderá desafiar a influência dos Estados Unidos em uma região rica em recursos que Washington há muito considera seu quintal.
O porto de águas profundas de Chancay, que surge aqui entre pelicanos e pescadores em pequenos barcos de madeira, é tão importante para Pequim que se espera que o líder chinês, Xi Jinping, o inaugure no fim do ano em sua primeira viagem ao continente desde a pandemia de covid-19.
Controlado majoritariamente pela gigante China Ocean Shipping, conhecida como Cosco, Chancay promete acelerar o comércio entre a Ásia e a América do Sul, beneficiando em algum momento clientes tão distantes como o Brasil com um trajeto de navegação mais curto pelo Pacífico para produtos que vão de mirtilo a cobre.
Com nações do mundo inteiro preocupadas perante uma nova enxurrada de produtos manufaturados chineses baratos, o porto poderá abrir novos mercados para seus veículos elétricos e outras exportações. A China já é o principal parceiro comercial da maior parte da América do Sul.
Os EUA temem que o controle da China sobre o que poderá se tornar o primeiro centro comercial verdadeiramente global da América do Sul permita a Pequim reforçar ainda mais o seu controle sobre os recursos da região, aumentando sua influência entre seus vizinhos mais próximos e eventualmente instalando forças militares nas proximidades.
“Isso tornará ainda mais fácil para os chineses extrair todos esses recursos da região, então isso deve ser preocupante”, disse no mês passado a general do Exército Laura Richardon, que chefia o Comando Sul dos EUA, em uma conferência sobre segurança na Universidade Internacional da Flórida.
Ex-autoridades americanas afirmam que o projeto mostra o vazio diplomático que os EUA deixaram na América Latina ao concentrar recursos em outros lugares, mais recentemente na Ucrânia e no Oriente Médio.
“Isso muda o jogo”, diz Eric Fanrsworth, um ex-diplomata de alto escalão do Departamento de Estado que hoje lidera o escritório de Washington do centro de estudos Council of the Americas. “Isso realmente posiciona a China de uma forma nova e importante na América do Sul como porta de entrada para os mercados globais. A esta altura, não se trata apenas de uma questão comercial, e sim de uma questão estratégica.”
Localizado a 80 quilômetros ao norte de Lima, o porto de US$ 3,5 bilhões – financiado por empréstimos de bancos chineses – será o primeiro da costa do Pacífico na América do Sul capaz de receber meganavios devido aos seus quase 18 metros de profundidade, embora outros portos da região tenham grande capacidade de movimentação de contêineres. Isso permitirá que as empresas enviem cargas nessas embarcações diretamente do Peru para a China, em vez de em pequenos navios que precisam passar primeiro pelo México ou a Califórnia.
A Cosco diz que Chancay tem como único objetivo incrementar o comércio. “Esse é um projeto comercial para promover o desenvolvimento”, diz Gonzalo Rios, vice-gerente-geral da Cosco no Peru. “Não há nada a esconder aqui.”
Pouco depois de o acordo para a construção do porto ter sido acertado em 2019, a imprensa estatal chinesa entusiasmou-se com previsões sobre o futuro do Peru como um centro no comércio entre a China e a América do Sul, e sugestões de que ele poderá ajudar Pequim em outras prioridades, como uma ligação por cabo submarino.
“O Peru poderá ser a âncora de tal corredor não só devido à sua localização geográfica, mas também em razão de suas relações com a China”, disse um comentário publicado no jornal estatal em língua inglesa “China Daily”.
O Peru não levou em conta as preocupações dos EUA. O Congresso desse país com 33 milhões de habitantes e que está longe de qualquer conflito global, precisa aprovar a chegada de militares estrangeiros, mas não de um operador de portos.
Javier González-Olaechea, ministro das Relações Exteriores do Peru, disse que se os EUA estão preocupados com a presença crescente da China no país sul-americano, então eles deveriam aumentar seus próprios investimentos, acrescentando que “todo mundo é bem-vindo” para investir.
“Os EUA estão presentes em quase todas as partes do mundo com muitas iniciativas, mas nem tanto na América Latina”, disse González-Olaechea em uma entrevista. “É como um amigo muito importante que passa pouco tempo conosco.”
Chancay é o equivalente a um porto construído pela Cosco na Grécia em 2016 que deu à China uma posição segura no sul da Europa. Hoje, as empresas chinesas controlam ou operam terminais em cerca de 100 portos marítimos estrangeiros. Segundo a AidData, um laboratório de pesquisas da Universidade William & Mary da Virgínia, elas financiaram quase US$ 30 bilhões em obras em pelo menos 46 países entre 2000 e 2021.
Os investimentos em portos proporcionaram à China uma vantagem diplomática junto a nações famintas por investimentos. Os navios da Marinha chinesa já atracaram em mais de um terço dos portos que suas empresas possuem ou operam ao redor do mundo.
Mas os portos não surgiram como base militares chinesas disfarçadas, servindo em vez disso como anfitriões para visitas cerimoniais da Marinha. E a análise comercial de custo-benefício do esforço de construção de portos da China só será conhecida daqui a algum tempo, uma vez que leva anos para o estabelecimento de centros comerciais em novos mercados. As preocupações mais imediatas sobre seus portos, que vão do endividamento em Moçambique a sinais de danos ambientais no Quênia, já estão em evidência, juntamente com sinais na Europa de que os interesses locais não são tão importantes quanto os da China.
Os EUA discutiram suas preocupações com as autoridades peruanas sobre o controle pela China de infraestruturas vitais, incluindo Chancay, segundo disse uma ex-autoridade americana com conhecimento das discussões. O que preocupa Washington é a interação entre as empresas comerciais da China e o governo – especialmente os militares. Portos e seus equipamentos podem ter usos comerciais e militares.
As leis chinesas exigem que suas companhias considerem as necessidades de defesa nacional em suas operações, o que pode significar fornecer acesso preferencial a embarcações militares em terminais portuários, partilhar informações potencialmente valiosas e apoiar a defesa e a mobilização, diz Issac Kardon, um pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace.
“Os americanos estavam um pouco adormecidos”, diz John Youle, um proeminente empresário do Peru e ex-diplomata americano. “De repente, eles [em Washington] acordaram.”
Essa mudança poderá se manifestar em meados de novembro, quando Xi deverá estar no Peru para uma reunião de cúpula de países da Ásia-Pacífico. Quer o presidente Joe Biden participe ou não da reunião – marcada para logo depois das eleições americanas de novembro -, o líder chinês deverá roubar a cena com um projeto elaborado para fortalecer a influência da China no Hemisfério Ocidental.
O porto colocou o Peru no meio da rivalidade entre as duas superpotências na América do Sul. O Brasil, a maior economia da América Latina, quer desenvolver semicondutores com a China, depois de rejeitar os pedidos dos EUA para excluir a Huawei Technologies das redes 5G. Empresas chinesas estão construindo um metrô na capital da Colômbia, Bogotá. Honduras cortou as relações com Taiwan, esperando receber uma enxurrada de investimentos chineses. E na Argentina, a China está comprando minas de lítio, um componente essencial em veículos elétricos.
O Peru acolheu com satisfação os investimentos chineses em tudo, de portos à mineração e eletricidade, que darão a empresas chinesas o controle sobre praticamente toda a distribuição de energia em Lima.
“O Peru está aumentando ainda mais sua dependência econômica da China e tornando-se vulnerável a uma possível coerção econômica chinesa”, diz Leland Lazarus, um especialista em relações China-América Latina da Universidade Internacional da Flórida.
O Peru ocupa o quinto lugar entre as nações mais influenciadas pela China no mundo, de acordo com um indicador produzido por duas organizações críticas a Pequim, a Doublethink Lab e a China in the World Network. Os veículos fabricados na China são onipresentes no país. No arborizado bairro de Miraflores, na capital, não muito longe de um parque que leva o nome de John F. Kennedy, as autoridades locais inauguraram o chamado Parque da China, com vista para o Pacífico, que exibe uma pérgula e estátuas de leões trazidas da China para celebrar o estreitamento dos laços.
No porto, onde há sinalização em espanhol e chinês, um túnel de 1,5 quilômetro de extensão dará acesso aos caminhões de carga sem que eles precisem passar pela cidade. Guindastes automatizados e veículos autônomos transportarão cargas para alguns dos maiores navios de transporte marítimo do mundo, tão longos quanto a altura do Empire State Building, de 443 metros.
A construção de Chancay abalou tanto uma comunidade pesqueira outrora tranquila, que os moradores locais a culparam por rachaduras nas paredes de suas casas, o desabamento de uma estrada e o declínio da pesca na área. A Cosco diz que reparou as casas e a estrada e trabalhou para amenizar o impacto sobre os pescadores.
“A pesca não é mais a mesma”, diz Hugo Pasach, um pescador de Chacay. “Em um ano, venderei tudo e farei outra coisa.”
Daniel Bustamante espera que o porto abra novos mercados asiáticos para os mirtilos e abacates que ele cultiva na costa do Peru e que hoje ele envia principalmente para a Europa e os EUA. As atuais rotas marítimas entre Peru e China – cerca de 35 dias – demoram muito para que os alimentos mais perecíveis cheguem aos mercados. Chancay ajudará a reduzir esse tempo em um terço, diminuindo os custos comerciais.
“Esta será uma janela para a Ásia. Nossa expectativa é poder crescer muito naquele mercado”, diz Bustamante.
Particularmente tentador para a China é conseguir que o Brasil use o porto. Desde que a China superou os EUA para se tornar o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, um grande obstáculo permanece: o Brasil está virado para o oceano errado.
As exportações marítimas para a China, que hoje compra cerca de dois terços do minério de ferro e da soja do Brasil, envolvem ir para leste através do Atlântico ou para o norte para acessar o Pacífico pelo Canal do Panamá.
Com Chancay, os exportadores brasileiros de cidades tão distantes como Manaus, poderão reduzir pela metade o seu tempo de transporte para a China, segundo Omar Narrea, um economista da Universidade do Pacífico do Peru.
Mas chegar a um porto do outro lado da floresta amazônica e das montanhas andinas continua sendo um grande desafio. O Peru tem uma rodovia no extremo sul que liga o país ao Brasil e diz que novas rodovias e ferrovias conectando a Chancay estão em fase de projeto.
“Esse é o tipo de projeto em que todos saem ganhando”, diz o ministro dos Transportes do Brasil, Renan Filho. “Mas algumas partes são extremamente complexas.”
Fonte: Valor Econômico
Clique aqui para ler o texto original: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/06/18/megaporto-de-chancay-promete-acelerar-comercio-entre-a-china-e-a-america-do-sul.ghtml
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