FT: Com questionamentos a plano econômico, lua de mel do mercado com Milei acaba
jul, 23, 2024 Postado porGabriel MalheirosSemana202430
O presidente libertário da Argentina, Javier Milei, está se deparando com o primeiro grande teste para seu plano de consertar a abalada economia do país, depois de suas medidas para controlar uma corrida contra o peso argentino terem desencadeado uma reação contrária do mercado.
O governo fixa a taxa de câmbio oficial em cerca de 960 pesos por dólar, mas nos mercados de câmbio paralelo — tanto legais quanto ilegais — a moeda argentina atingiu um recorde de quase 1,5 mil pesos por dólar neste mês. A diferença entre as taxas é vista como um indicador-chave de confiança no governo e pode alimentar a inflação.
No sábado (20), Milei revelou um plano para estabilizar o peso: o banco central tornará mais rigorosa a regra para a impressão de dinheiro, com o objetivo de reduzir a base monetária da Argentina, e começará a usar as escassas reservas de moeda estrangeira para comprar pesos no mercado paralelo.
“Se eu fechar todas as torneiras de impressão de dinheiro, o problema acaba”, disse Milei ao canal de TV “LN+”. “Não há pânico, zero pânico.”
Os investidores parecem não concordar. Na semana passada, enquanto críticos chamavam a atenção para a inconsistência e curto-prazismo das novas medidas, o mercado argentino de ações chegou a cair 12,3% e os títulos soberanos em dólar recuaram até 11,3%, embora depois tenham reduzido as perdas.
Demorar mais tempo para acumular reservas internacionais vai retardar o plano do governo de suspender os controles cambiais — um pré-requisito para os investimentos estrangeiros e para abrir caminho a um crescimento econômico significativo — e aumentar a probabilidade de que o governo precise dar um calote em mais de US$ 9 bilhões em pagamentos de sua dívida em moeda estrangeira em 2025.
“Eles estão [sacrificando o objetivo de acumular reservas] para reprimir a volatilidade da taxa de câmbio; e esta [volatilidade] é algo com o que nenhum investidor se preocupa, porque é um sintoma de problemas, não um problema em si”, disse Juan Pazos, economista-chefe da firma de serviços financeiros TPGC Valores, cuja sede fica em Buenos Aires.
“Os preços dos ativos [estão se recuperando] um pouco, mas esse tipo de decisão começa a corroer sua confiança de que as autoridades tenham as prioridades certas.”
Déficit público & inflação
Milei cumpriu uma promessa eleitoral central de “usar uma motosserra” para cortar o déficit público da Argentina a fim de reduzir a altíssima inflação: o índice mensal caiu de 26% em dezembro para 4,6% em junho. Ele argumenta que manter o peso forte é fundamental para conter a inflação.
No entanto, os investidores temem que controlar a inflação a todo custo agora esteja desviando a atenção dos outros ingredientes necessários para conseguir uma recuperação de longo prazo da Argentina: a remoção dos controles cambiais, o acúmulo de reservas e o acesso aos mercados de capitais internacionais.
“O governo surpreendeu o mercado com esses primeiros sucessos na inflação e no front fiscal, mas, agora, há a sensação de que ficaram para trás, apagando incêndios em vez de definir a agenda”, disse Amílcar Collante, professor de economia da Universidade Nacional de La Plata.
As medidas econômicas heterodoxas para sustentar o peso também dificultarão as negociações iniciadas recentemente por Milei com o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto a um possível novo empréstimo para a Argentina, que já deve US$ 43 bilhões à instituição, segundo analistas.
Milei minimizou a importância das preocupações sobre seu plano econômico e atribuiu a culpa pela volatilidade no câmbio aos bancos argentinos.
Na semana passada, ele acusou um dos bancos de tentar deliberadamente “desestabilizar” o governo ao exercer opções de venda — acordos que obrigam o banco central a recomprar sua dívida —, forçando a autoridade monetária a imprimir pesos.
O ministro da Economia, Luis Caputo, disse na quinta-feira (18) na plataforma social on-line X que o objetivo do governo “sempre foi secar a praça de pesos […] ainda há alguns que não se convencem. A realidade provará que em breve […] o peso vai ser a moeda forte!”
Os argentinos já enfrentam três anos de inflação anual acima de 50% e Milei assumiu como prioridade reduzi-la. Para isso, interrompeu a prática de governos anteriores de imprimir dinheiro para financiar gastos e buscou aplicar um programa de extrema austeridade.
Por sua vez, Caputo, um ex-corretor de Wall Street, levou adiante um plano complexo para limpar bilhões de dólares em dívidas do banco central em mãos de bancos locais e coibir o uso da impressão de dinheiro para pagar juros.
Ao mesmo tempo, Caputo controlou com rigor a taxa de câmbio oficial, um fator-chave da inflação. Após promover uma grande desvalorização inicial de 52% em dezembro, Caputo desvalorizou o peso em apenas 2% ao mês.
Em maio, a atividade econômica teve leve recuperação, graças às exportações agrícolas e mineradoras, com uma expansão de 1,3% em relação a abril, segundo dados oficiais. No entanto, outros setores, como o de construção e varejo, continuam em forte retração.
A aposta de Milei é que controlar a inflação é a chave para manter o apoio público a suas políticas de austeridade. Até agora, isso vem dando certo e sua popularidade gira firme em torno aos 51%, segundo Shila Vilker, diretora da empresa de pesquisas de opinião pública trespuntozero.
No entanto, líderes empresariais reclamam cada vez mais que a política de lenta desvalorização de Caputo vem prejudicando a competitividade das exportações.
“Eles deveriam corrigir a taxa de câmbio e advertir que a inflação aumentará temporariamente […] para melhorar o balanço do setor externo”, disse o bilionário incorporador imobiliário Eduardo Constantini na quarta-feira na TV.
De acordo com Sebastián Menescaldi, diretor da firma de consultoria EcoGo, as empresas estão preocupadas porque as medidas anunciadas como um “plano de emergência” em dezembro ainda não deram lugar a um roteiro de longo prazo para a retirada dos controles cambiais e a retomada do crescimento.
“Quando você estende as medidas emergenciais de três para seis meses, elas começam a se tornar inconsistentes”, acrescentou. “Agora, a única forma por meio da qual eles podem resolver essas inconsistências é encontrando um monte de dólares para o banco central nos próximos dois meses, ou eles precisarão desvalorizar.”
As fontes de dólares existem, mas conseguir acesso a elas é difícil. Os cruciais exportadores agrícolas, a principal fonte de divisas estrangeiras da Argentina, até agora sentem-se desencorajados em vender seus estoques diante dos baixos preços internacionais das commodities, o que é agravado pela falta de competitividade do câmbio.
Cerca de US$ 21 bilhões em grãos exportáveis estão armazenados, segundo cálculos do lobby agropecuário da Sociedade Rural Argentina.
Um esquema de incentivo aos investimentos aprovado em junho pelo Congresso poderia atrair dólares por meio dos setores de energia e mineração. Além disso, o governo sustenta que uma iminente anistia fiscal trará cerca de US$ 1,5 bilhão.
Analistas dizem que o governo deposita esperanças demais na ideia de que o FMI concordará em emprestar mais dinheiro à Argentina para ajudar a sair dos controles cambiais, em especial se Donald Trump — a quem Milei considera um aliado ideológico — vencer a eleição de novembro nos EUA, principal acionista do fundo.
No entanto, a decisão do governo de usar suas reservas para sustentar o peso tornará mais difícil alcançar um acordo, uma vez que o FMI critica tais práticas. A Argentina já é a maior devedora do FMI e a receptora do maior número de resgates na história do FMI.
“O governo ficou emaranhado e começou a fazer coisas que o afastam de seus objetivos finais”, disse Gabriel Caamaño, economista da firma de consultoria Ledesma.
Segundo ele, o governo tinha várias opções para retomar o impulso em seu programa econômico, como flexibilizar algumas partes menores do esquema de controle de capitais para impulsionar os mercados, ou tomar medidas para satisfazer o FMI. “Ainda não é tarde demais para corrigir isso com algumas boas medidas”, disse. “Isso ainda não é uma tragédia.”
Fonte: Financial Times; reprodução de Valor Econômico
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