Receio de domínio chinês impulsiona esforços dos EUA para revitalizar setor marítimo
jan, 10, 2025 Postado porGabriel MalheirosSemana202502
A crescente tensão com a China está levando Washington a revisitar suas raízes como uma nação comercial marítima.
Proteger marinheiros mercantes e suas cargas foi o que levou o Congresso, em 1794, a encomendar os primeiros navios de guerra da Marinha dos Estados Unidos, com o objetivo de combater piratas bárbaros do norte da África. Os comerciantes marítimos da jovem república, peça-chave no crescimento econômico, eram vitais para a segurança nacional.
A Marinha se tornou uma poderosa força de combate global. Por outro lado, a frota de carga comercial dos Estados Unidos foi reduzida a praticamente inexistência.
Agora, políticos voltam a vincular a segurança nacional a um setor marítimo vibrante — os aspectos não militares dos mares — e aos benefícios que isso traz para áreas como construção naval e cadeias logísticas. Washington busca formas de reverter esse colapso, inspirando-se em exemplos de outros setores, fomentando parcerias com aliados na construção naval e revisitando os escritos do maior estrategista naval da história americana.
Nenhuma nação conseguiu se destacar como potência naval mundial sem também ser uma potência marítima global. Países que tentaram, mas falharam em projetar força naval sem redes marítimas comerciais robustas, incluem a União Soviética, a Alemanha Nazista e a Espanha antes da Guerra Hispano-Americana.
Até pouco tempo atrás, os EUA lideravam o transporte marítimo mundial. No fim da Segunda Guerra Mundial, a frota comercial americana representava cerca de metade da capacidade global de transporte de carga. Nos anos 1950, um empresário americano pioneiro no uso do contêiner revolucionou o comércio internacional.
Hoje, a Marinha gasta vastos recursos do Mar Vermelho ao Mar do Sul da China para proteger a liberdade de navegação, mas poucos navios protegidos carregam a bandeira americana.
Atualmente, os navios comerciais dos EUA representam menos de 1% da frota mundial. Os portos americanos enfrentam greves e disputas sobre o tipo de automação que tem impulsionado a expansão de terminais de contêineres ao redor do mundo. A Marinha também encontra dificuldades para contratar embarcações comerciais que possam apoiar suas operações globais.
Enquanto isso, a China domina tanto o transporte quanto a construção naval. Pequim subsidia pesadamente seu setor marítimo, o que aumenta a eficiência de sua rápida campanha de construção de navios de guerra. Recentemente, o presidente eleito Donald Trump expressou o desejo de retomar o controle do Canal do Panamá, apontando a China — uma das principais usuárias da via — como parte de suas preocupações.
Os transportadores privados dos EUA sucumbiram às forças econômicas da globalização após a Guerra Fria, quando o apoio governamental foi reduzido. Agora, cresce o clamor por um esforço de Washington para ressuscitar a construção naval comercial e o transporte de cargas no país.
O secretário da Marinha, Carlos Del Toro, defende o conceito de “diplomacia marítima”, enfatizando a importância do transporte comercial para tarefas da Marinha, como reabastecimento de navios e transporte de suprimentos militares vitais. Ele tem promovido o apoio a estaleiros americanos que constroem não apenas navios de guerra, mas também embarcações comerciais.
Del Toro também defende a expansão da Marinha Mercante dos EUA, um corpo de marinheiros comerciais que pode auxiliar a Marinha em tempos de guerra e cujos números diminuíram drasticamente nas últimas décadas. Autoridades do governo e da indústria estimam que, hoje, os EUA têm menos de 10 mil marinheiros mercantes, em comparação com aproximadamente 50 mil em 1960.
“Não sou ingênuo para pensar que será fácil”, disse Del Toro em entrevista a bordo de um navio de carga da Marinha. “Mas precisamos começar de algum lugar.”
Esse começo, esperam as autoridades da Marinha e da indústria, pode ser uma legislação recentemente apresentada pelos senadores Mark Kelly (D., Ariz.) e Todd Young (R., Ind.), junto a dois deputados, chamada Shipbuilding and Harbor Infrastructure for Prosperity and Security for America Act (SHIPS Act). Caso seja aprovada, será a primeira grande legislação marítima desde 1936.
O SHIPS Act tem como objetivo revitalizar a construção naval e o transporte ao longo de mais de uma década, reconstruindo também a Marinha Mercante. O projeto prevê recursos e envolvimento ao nível da Casa Branca, comparáveis às políticas para energia, semicondutores e aviação. Del Toro e seus assessores ajudaram a moldar a legislação, que também contou com contribuições de dezenas de outros órgãos governamentais e grupos do setor.
A perspectiva do projeto em um Congresso dividido é incerta. No entanto, seus defensores apontam o patrocínio bipartidário como um sinal positivo.
Kelly, veterano da Marinha e o primeiro graduado da Academia Mercante dos EUA a servir no Congresso, disse estar motivado pelo que considera um desequilíbrio perigoso: enquanto a China tem mais de 5.500 navios mercantes em comércio internacional, os EUA têm apenas 80.
“É um grande problema para nós, especialmente se acabarmos em um conflito ou em uma situação em que a China decida, por qualquer motivo, paralisar nossa economia”, disse Kelly em entrevista. “Eles têm a capacidade de fazer isso.”
Desde a Guerra Fria, a maior parte do pensamento estratégico dos EUA sobre os mares focou em navios de guerra e na chamada “projeção de força” — a capacidade de agir militarmente longe de casa. Durante as guerras no Iraque e no Afeganistão, os navios da Marinha desempenharam um papel crítico.
A ascensão da China como rival militar dos EUA estimulou um esforço para modernizar e expandir a Marinha. No final de 2020, a administração Trump propôs um aumento na construção de navios de guerra, objetivo que também é seguido pela administração Biden.
A pandemia de Covid-19 renovou a atenção sobre a importância do transporte marítimo comercial para a segurança nacional, quando EUA e aliados enfrentaram escassez de produtos básicos. Isso gerou alarme sobre a dominação chinesa no setor de transporte de cargas e portos.
Del Toro citou os escritos de Alfred Thayer Mahan, estrategista naval do século 19, que defendia que o poder naval gera poder comercial marítimo e vice-versa.
A liderança chinesa, disse Del Toro, “leu e estudou a teoria de Mahan, e suas ações refletem isso.”
Mahan morreu justamente quando os Estados Unidos começavam a se tornar uma grande potência naval. Em 1907, o presidente Theodore Roosevelt enviou 16 destróieres, apelidados de Grande Frota Branca, para uma exibição de força em uma volta ao mundo que durou dois anos.
Naquela época, os EUA já eram uma potência marítima significativa. Nos anos 1830, construtores navais da Costa Leste desenvolveram os clippers, navios rápidos que permitiram aos americanos conquistar negócios ao entregar cargas mais rapidamente que os concorrentes.
Em 1851, para demonstrar o progresso na construção naval americana, o recém-criado New York Yacht Club participou de uma corrida na Inglaterra, a Hundred Guinea Cup, que contou com a presença da Rainha Vitória. O iate America, repleto de inovações, superou os competidores da maior potência naval da época. Seus proprietários levaram o troféu para casa e o renomearam como America’s Cup.
Quase um século depois, durante a Segunda Guerra Mundial, estaleiros surgiram em todo os EUA para produzir não apenas navios de guerra, mas também cargueiros, como os Liberty Ships, projetados para serem construídos rapidamente. A rivalidade entre os estaleiros reduziu o tempo de produção de mais de sete meses para cerca de seis semanas por navio.
Ao final da guerra, os EUA tinham aproximadamente 4.500 navios de carga comercial e 75 mil marinheiros mercantes. Esses números diminuíram à medida que os navios se tornaram maiores e mais eficientes, enquanto a competição internacional crescia. Decisões da administração Reagan, nos anos 1980, de encerrar subsídios para o setor de transporte e construção naval — em parte para focar os estaleiros na expansão da Marinha — aceleraram o declínio da indústria doméstica.
Hoje, os EUA são o maior exportador de gás natural liquefeito (GNL) do mundo, mas não possuem sequer um navio de GNL em sua frota, observa Carleen Lyden Walker, líder de um grupo de comércio marítimo. Este ano, Walker ajudou a elaborar um plano para apoiar o setor, intitulado Zero Point Four, em referência à porcentagem da frota mundial de navios cargueiros que está sob controle americano.
“Nossa nação sofre de cegueira marítima”, disse Lyden Walker, que trabalha para promover empregos bem remunerados, mas que permanecem vagos no setor marítimo. Ela conta que muitos dos públicos para os quais fala sequer imaginam que roupas, celulares, combustíveis e frutas são transportados por navios.
Os defensores do apoio à indústria marítima argumentam que ações rápidas são vitais, pois o progresso nesse setor seria lento.
“Uma das coisas mais difíceis de fazer neste país é recriar uma indústria pesada”, disse James Watson, almirante aposentado da Guarda Costeira dos EUA, que trabalha com Lyden Walker e vê o recente interesse no setor como algo atrasado.
“Não pensar na indústria marítima como uma parte importante da sua economia é, de certa forma, uma loucura”, concluiu.
Fonte: The Wall Street Journal
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