Meio ambiente

Megaporto e ferrovia ocuparão território quilombola no Maranhão

maio, 06, 2024 Postado porGabriel Malheiros

Semana202417

A paisagem da Ilha do Cajual, no Maranhão, vai mudar. A mata frondosa e os palmeirais de coco babaçu vão ser substituídos por navios cargueiros de até 350 metros de comprimento, levando milhares de toneladas de ferro, cobre, soja, milho e outras commodities para a China, Estados Unidos e Europa.

Até 2027, os quilômetros de praias e mangues darão lugar a um complexo portuário, com linhas férreas, subestações de energia e galpões, onde 1,8 mil trabalhadores vão se revezar dia e noite na ilha do município de Alcântara

Esta é a mudança que a empresa Grão-Pará Maranhão, a GPM, pretende concluir. A ideia é ocupar quase 90% do Território Quilombola Vila Nova, na Ilha do Cajual, com o Terminal Portuário de Alcântara e a ferrovia EF-317.

“Um empreendimento dessa envergadura, na prática, extingue o território quilombola. Inviabiliza por completo a proteção do território”, explicou Yuri Costa, defensor público da União no Maranhão. A defensoria entrou no ano passado com uma ação civil pública que cobra a titulação do quilombo.

O projeto foi pensado para escoar soja e outras commodities do agronegócio e da mineração para China, Estados Unidos e países da Europa. Mas, no estudo de viabilidade encomendado pela GPM, o principal produto a ser transportado é o minério de ferro, extraído pela Vale S.A. da Serra dos Carajás, no Pará. Hoje, o minério é escoado pela Estrada de Ferro Carajás até o Terminal Portuário Ponta da Madeira, em São Luís, ambos operados pela Vale.

A Ilha do Cajual é uma Área de Proteção Ambiental com importância internacional. É também uma área quilombola onde 51 famílias, cerca de 92 pessoas, vivem de pesca, agricultura e criação de pequenos animais – um modo de vida herdado de seus antepassados, trazidos na condição de escravizados há pelo menos três séculos.

O processo para titular o território como quilombola se arrasta desde 2007. No entanto, em 2017, a Associação de Moradores da Comunidade Negra Rural Quilombola de Vila Nova Ilha do Cajual assinou um contrato cedendo o uso e usufruto de mais de 14 milhões de metros quadrados do território – ou 1,4 mil campos de futebol – para a instalação e operação do porto. O acordo, em nome de toda a comunidade, é válido por tempo indeterminado.

Agora, a comunidade está prestes a assistir ao início das obras, mesmo sem as devidas consultas legais. Em 2 de janeiro, o Ibama, órgão federal responsável por conceder ou não as licenças para o empreendimento, informou que a GPM ainda não tinha entregado todos os documentos que detalham os impactos socioambientais da obra.

Procurado pelo Intercept Brasil, o diretor-geral da Grão-Pará Maranhão, Paulo Salvador, informou que o empreendimento ocupará “apenas 20% do total da Ilha do Cajual”, e que o início das obras e operação do empreendimento têm cronograma de dois a três anos, a depender dos processos administrativos de autorização e licenciamento.

Paulo Salvador, diretor-executivo da Grão-Pará Maranhão, disse que a obra ainda está em fase de licenciamento ambiental e que a “associação quilombola da Ilha do Cajual tem o direito, por lei, ao usufruto do território da ilha, como foi reconhecido por todos os órgãos consultados antes do processo de autorização”.

Disse, ainda, que a comunidade é parceira do projeto e que a associação está ciente do seu papel, “conforme constatamos recorrentemente nas nossas reuniões mensais, desde 2017”. Ainda segundo ele, a distribuição de 6% dos lucros à associação, prevista no contrato, será feita “como a qualquer acionista, sem data de expiração, sempre e quando o terminal portuário tenha resultados positivos”.

O documento de propriedade da terra, de ocupação ou de direito de uso e fruição é uma exigência do governo federal ao empreendedor que pretende instalar e explorar infraestrutura portuária. Sem ele, o processo não avança.

No entanto, um contrato como esse, tratando de território quilombola, deveria ser precedido por uma consulta prévia às comunidades atingidas pelo empreendimento, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Yuri Costa, o defensor público, argumenta que o acordo feito diretamente pela GPM não respeita as diretrizes nacionais e internacionais sobre o tema, “o que gera, na teoria, uma nulidade de toda a cadeia de licenciamento do projeto”.

Em dezembro de 2018, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, a Antaq, assinou o contrato autorizando a GPM a construir e explorar a instalação portuária para uso privado por 25 anos prorrogáveis.

Mas a procuradoria da própria Antaq expressou preocupação sobre a validade do contrato que transmite a posse do terreno. Também disse ter dúvidas se a “associação teria legitimidade para celebrar o contrato em nome da comunidade quilombola”.

Mesmo sem as licenças necessárias para iniciar as obras, as últimas administrações do governo federal deram importantes passos burocráticos para viabilizá-las.

Em dezembro de 2021, durante o governo Jair Bolsonaro, o Ministério da Infraestrutura autorizou a empresa a construir e explorar, por 99 anos, a ferrovia EF-317, de 520 quilômetros, ligando o porto na Ilha do Cajual à cidade de Açailândia, no Maranhão.

Em março de 2023, no início do terceiro governo Lula, a Antaq publicou o primeiro aditivo do contrato de adesão do porto, atualizando o cronograma de execução do projeto e inserindo o valor global de investimento: R$ 4,7 bilhões.

Fonte: The Intercept Brasil

Clique aqui para ler a reportagem original e completa: https://www.intercept.com.br/2024/04/29/megaporto-e-ferrovia-ocuparao-87-de-territorio-quilombola-no-maranhao-mas-moradores-nao-sabem/

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